“Dois Irmãos é um épico familiar, um drama de enormes proporções emocionais”, explica Luiz Fernando Carvalho

Publicado em 02/12/2016

Na Manaus que recebe uma profusão de culturas entre as décadas de 1920 e 1980, tem lugar uma história intensa e passional sobre o cruzamento de afetos. Uma família que se estrutura a partir do nascimento dos gêmeos Omar (Enrico Rocha/ Matheus Abreu/ Cauã Reymond) e Yaqub (Lorenzo Rocha/ Matheus Abreu/ Cauã Reymond) e é destruída por causa da rivalidade extrema entre eles. São personagens que saltam das páginas de ‘Dois Irmãos’, célebre romance do escritor amazonense Milton Hatoum, para uma minissérie de 10 episódios, escrita por Maria Camargo e com direção artística de Luiz Fernando Carvalho.

Observando a família que se desintegra no mesmo ritmo das transformações que atingem Manaus até começarem a soprar os “ares de modernidade” trazidos pela criação da Zona Franca no fim dos anos 1960, não está um narrador qualquer. Filho de Domingas (Zahy/Silvia Nobre), menina indígena recolhida num orfanato para ajudar nas tarefas domésticas, Nael (Rian Cesar/ Irandhir Santos) é testemunha e ao mesmo tempo parte integrante da intimidade de um clã singular, pedaço do Líbano em plena floresta tropical.

Por meio da sua interpretação dos fatos e das memórias que seguem um caminho não linear, seguimos a trajetória do casal Halim (Bruno Anacleto/ Antonio Calloni/ Antonio Fagundes) e Zana (Gabriella Mustafá/ Juliana Paes/ Eliane Giardini), libaneses que vivem junto ao agitado porto de Manaus. Mascate, ele é mais um dos estrangeiros, entre libaneses, sírios e judeus marroquinos, que frequentam o restaurante do pai dela, Galib (Mounir Maasri), instalado no térreo do sobrado onde moram. O sonho de Halim é conquistar a bela e jovem Zana, que desliza como uma gazela pelo salão sem lhe lançar um olhar sequer.

“’Dois Irmãos’ é um épico familiar, um drama de enormes proporções emocionais, capaz de gerar um álbum de família que espelha a própria História do Brasil, suas alegrias e seus retrocessos. É uma obra com camadas sociológicas, antropológicas e históricas, tudo isso rebatido na mesa de jantar de uma família de imigrantes libaneses, no odor dos quartos, na sensualidade de uma mãe, no afeto desmedido por um de seus filhos, nos ciúmes dos outros membros da família e nas perdas que o tempo nos revelam. É um Brasil em formação, composto pelos sonhos, mas também pela força de trabalho dos imigrantes”, explica o diretor artístico Luiz Fernando Carvalho.

É um momento em que a capital amazonense sofre as consequências do declínio do comércio da borracha, quando a prosperidade da belle époque amazônica é apenas uma lembrança melancólica e questões sociais complexas se anunciam. Ali, onde se ouvem os mais diversos idiomas, o amor de Halim e Zana nasce em árabe, por meio dos gazais, poemas românticos ancestrais, que ele recita diante da amada, do pai dela e de todos os clientes, apesar da timidez. Tudo por ela, sempre.

Movida pelo ideal de família, Zana quer filhos. “Pelo menos três”, exige. Apegado aos pequenos prazeres da vida, Halim teme que as crianças atrapalhem os momentos deliciosos que o casal passa na rede montada ao lado da cama.

É uma espécie de premonição. Na primeira gravidez, Zana dá à luz dois bebês. Com certa dificuldade respiratória, Omar é o segundo a nascer. Preocupada com a suposta fragilidade dele, Zana desenvolve um carinho desmedido, verdadeira obsessão que a faz mimar um filho sem perceber que planta o rancor no coração do outro, Yaqub. É apenas a primeira de uma série de escolhas que a mãe faz para diferenciar os filhos, embora goste de repetir, como se vivesse em negação, que eles são idênticos.

Poucos anos depois, nasce Rânia (Letícia Almeida/ Bruna Caram), condenada a viver à sombra dos irmãos – para ela, o homem ideal seria uma mistura dos irmãos. A situação também é dolorosa para Halim, que sente ciúme da dedicação da esposa a Omar e se preocupa com as consequências do desprezo dela por Yaqub. Mas ele não tem forças para enfrentar a personalidade forte de Zana.

Diferentes na essência, mas idênticos na aparência, os gêmeos acabam diferenciados pela tragédia. Uma sessão de cinematógrafo na casa de Estelita (Maria Fernanda Cândido/ Carmem Verônica) e Abelardo (Emilio Orcciolo Neto/ Ary Fontoura) promete momentos de diversão. Mas a ficção cômica projetada dá lugar à exposição pública da tensão que existe há anos entre os irmãos, agora reforçada pela disputa por Lívia (Monique Bourscheid/ Bárbara Evans). No fim da tarde, os ventos da floresta são intensos e trazem a chuva que, impiedosamente, causa uma queda brusca na energia elétrica. Quando as luzes se acendem, os lábios de Lívia e Yaqub estão colados. Tomado por ciúme e ódio, Omar quebra uma garrafa e corta o rosto do irmão.

Enfim, distintos – agora, Yaqub está marcado por uma cicatriz. Em meio às dificuldades da Segunda Guerra Mundial, cujos ecos chegam ao isolamento de Manaus, Halim decide mandar os dois filhos para sua terra natal, no sul do Líbano. Zana se mostra relutante até o último segundo, quando, no porto, no momento do embarque, solta a mão de Yaqub, mas não consegue se desprender de Omar.

Yaqub viaja sozinho. Os longos anos longe da família e da cidade onde viveu a infância sublinham questões existenciais e o modificam de maneira irreversível. A volta dele, debilitado como um sobrevivente de guerra, vestindo roupas surradas e trazendo apenas alguns figos mofados, terá consequências inimagináveis. Zana e os demais integrantes da família não podem imaginar o quanto.

Da obra de Milton Hatoum, ‘Dois Irmãos’ é uma minissérie de 10 episódios, escrita por Maria Camargo, com direção artística de Luiz Fernando Carvalho. Com estreia prevista para janeiro, a minissérie terá capítulos disponíveis antes pelo Globoplay.

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