Em tempos incertos na política, vale a pena relembrar alguns políticos nada honestos da teledramaturgia

Publicado em 23/04/2018

Na época em que celebramos três datas da nossa História em dois dias – a saber, o dia de Tiradentes, a fundação de Brasília (ambos em 21 de abril) e o Descobrimento do Brasil (no dia 22), e num ano eleitoral no qual a convulsão política já se mostra presente – em verdade, talvez se possa dizer que a sucessão deste ano teve início quando se proclamou o resultado das urnas quatro anos atrás, mas esta é outra discussão, para outros espaços –, vale a pena relembrarmos alguns dos políticos de comportamento mais discutível e condenável já surgidos na teledramaturgia, a fim de que por seu exemplo saibamos quem evitar nas cabines eleitorais em outubro…

O Descobrimento do Brasil pela teledramaturgia

O dramaturgo Dias Gomes (1922-1999) seguramente foi um dos escritores que mais contribuíram para a discussão inteligente e consciente de temas políticos na televisão. Temas relevantes para a sociedade sempre deram a tônica de suas obras, fosse nas peças, fosse nas novelas e minisséries. Já em sua primeira novela, A Ponte dos Suspiros (1969), que assinara com o pseudônimo Stela Calderón, Dias chamou a atenção da Censura com a temática política do Brasil da época embalada nos diálogos dos personagens que viviam na Veneza de 1500, o que motivou a mudança de horário das 19h para as 22h.

Carlos Alberto e Yoná Magalhães em A Ponte dos Suspiros
Carlos Alberto e Yoná Magalhães em A Ponte dos Suspiros Reprodução

No dia de Tiradentes, relembre a Inconfidência Mineira na teledramaturgia brasileira

Novela em 1973 e série entre 1980 e 1984, sempre com grande sucesso, O Bem-amado apresentou ao público um dos personagens mais emblemáticos da teledramaturgia: Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), o prefeito da cidade litorânea de Sucupira, na Bahia. Visando apenas à inauguração do feito maior de sua administração, o cemitério municipal, e a seus próprios interesses, Odorico não hesitava em atentar contra a vida e a intimidade dos habitantes da cidade a fim de atingir seu objetivo. Demagogo, truculento e prepotente, o coronel foi considerado uma representação de figuras bastante conhecidas do público, mas Dias Gomes garantia que ninguém em especial foi o inspirador do personagem. Tanto o paulista Paulo Maluf quanto o baiano Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, eram apontados por espectadores como representações reais de Odorico Paraguaçu, o que comprovava a dimensão do personagem como crítica do político brasileiro em si, conforme declarou o dramaturgo em entrevista de 1995 ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Ao lado do coronel, fosse por conveniência, subserviência, concordância, idolatria ou tudo isso junto, estavam o secretário Dirceu Borboleta (Emiliano Queiroz) e as “donzelas juramentadas” da família Cajazeira, as irmãs Dorotéa (Ida Gomes), Judicéa (Dirce Migliaccio) e Dulcinéa (Dorinha Duval) – esta substituída na série pela prima Zuleika (Kleber Macedo). Rolando Boldrin também deu vida a Odorico num teleteatro da TV Tupi, na década de 1960, e Marco Nanini interpretou o personagem num filme cuja versão em minissérie fora exibida em 2011. Odoricos são muitos. Abaixo um de seus discursos na campanha para prefeito:

Outro político corrupto e venal da nossa dramaturgia foi Florindo Abelha (Ary Fontoura), prefeito de Asa Branca, cidade onde se passava a história de Roque Santeiro (1985/86), de Dias Gomes com coautoria de Aguinaldo Silva. Seu Flô, como era chamado pela população, era barbeiro e fora eleito prefeito por ter caído nas graças do poderoso Sinhozinho Malta (Lima Duarte), que via nele o títere perfeito para seus desmandos à frente da cidade. Seu Flô recebia porcentagens das vendas dos suvenires do comerciante Zé das Medalhas (Armando Bogus), fabricados a partir do mito de Roque Santeiro, que movia toda a economia asa-branquense, e cedia à vontade de Sinhozinho de olho no futuro, já que pretendia ser candidato a deputado federal.

Virgílio Assunção (Raul Cortez) não era o titular da prefeitura de Pontal D’Areia na segunda versão de Mulheres de Areia (1993), de Ivani Ribeiro, cabendo essa função a seu cunhado Breno (Daniel Dantas). Justamente por isso e por se considerar muito mais apto ao cargo do que o irmão de sua esposa, o vice-prefeito Virgílio se coloca contra a determinação de Breno de interditar as praias da cidade para banhos de mar, uma vez que isso lhe renderia a simpatia de muitos habitantes e de quebra também não prejudicaria seus negócios hoteleiros. O bem-estar e a saúde da população que se lixassem…

Demóstenes Maçaranduba (José Wilker) era um legítimo canalha que liderava o Poder Executivo da cidade de Tubiacanga, em Fera Ferida (1993/94), novela de Aguinaldo Silva, Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares baseada em elementos da obra de Lima Barreto. Inescrupuloso e corrupto, Demóstenes tratava a cunhada Ilka (Cássia Kiss) como se ela fosse uma débil mental, roubou por anos o dinheiro das contas de energia elétrica dos habitantes da cidade em conluio com o também mau-caráter Major Bentes (Lima Duarte) e igualmente há anos vivia um caso extraconjugal com Rubra Rosa (Susana Vieira), a mulher do vereador Numa Pompílio de Castro (Hugo Carvana), a quem ele tomava por um idiota.

Reginaldo Ferreira da Silva (Eduardo Moscovis) se valeu do prestígio angariado a vida toda por sua mãe Maria do Carmo (Susana Vieira) em Vila São Miguel, na Baixada Fluminense, que se elegeu vereador representando a região e passou a empreender a luta pela emancipação, a fim de se tornar prefeito da nova cidade. Em Senhora do Destino (2004/05), de Aguinaldo Silva, ao lado da cúmplice, assessora e companheira Viviane (Letícia Spiller), Reginaldo não hesitou em conspirar contra a própria família, prejudicando especialmente o primo Venâncio (André Gonçalves), obrigado a assumir uma culpa que não tinha – a de ser amante de Leila (Maria Luiza Mendonça), a falecida esposa do vereador, e a própria mãe, obrigada a conviver novamente com o marido que a abandonara, Josivaldo (José de Abreu). O fim merecido de Reginaldo foi morrer depois que seus atos corruptos foram descobertos e um de seus maiores apoiadores, Merival (Xando Graça), atira-lhe uma pedra certeira na cabeça.

Para fechar, um único exemplo de político honesto e dedicado, mas que vale por muitos tantos queremos ver iguais na vida real: o senador Roberto Caxias (Carlos Vereza) de O Rei do Gado (1996/97), novela que rendeu muitas críticas ao autor Benedito Ruy Barbosa pelo modo como retratou nossos ilustres membros do Senado. Uma cena na qual Caxias discursava sobre a questão dos sem-terra para um plenário praticamente vazio, e no qual os poucos senadores presentes não estavam nem aí para o que ele dizia, tornou-se emblemática do descaso dos políticos por aqueles que supostamente representam na Capital Federal. Incapaz de se apossar de dinheiro público ou de levar qualquer vantagem indevida, dedicando sua vida à causa pública por ideologia e vocação, Caxias conquistava tanto o desprezo da esposa Maria Rosa (Ana Rosa) quanto a amizade do fazendeiro Bruno Mezenga (Antonio Fagundes) e o amor de sua jovem empregada no apartamento funcional, Chiquita (Arieta Corrêa). Sua dedicação à questão dos trabalhadores sem-terra e da reforma agrária no País o levou à morte, assassinado a mando de fazendeiros, digamos, pouco amigáveis. Qualquer semelhança com a realidade passou longe de ser uma mera coincidência…

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