Deus nos Acuda: há 26 anos, Globo aliava comédia e crítica política às 19h

Publicado em 31/08/2018

O ano era 1992. Após o sucesso de Rainha da Sucata (1990) às 20h, Silvio de Abreu foi convocado a criar uma nova história para o horário das 19h. E desejou juntar comédia e crítica política. Surgiu daí Deus nos Acuda.

O Brasil vivia os dias do governo de Fernando Collor de Mello. Eleito em 1989, o “caçador de marajás” revelou-se um presidente autoritário e seu mandato foi assolado por uma série de denúncias de corrupção. De fato, a frustração do grande sonho de um País novo após a redemocratização, já no primeiro presidente escolhido pelo povo após quase 30 anos, tomou conta dos brasileiros.

A história central de Deus nos Acuda

Gabriel (Claudio Correa e Castro) e Celestina (Dercy Gonçalves) em Deus nos Acuda
Gabriel Claudio Correa e Castro e Celestina Dercy Gonçalves em Deus nos Acuda divulgação

Celestina (Dercy Gonçalves) é a anja responsável pelos assuntos que envolvem o Brasil no Céu. Supervisionada pelo Anjo Gabriel (Cláudio Corrêa e Castro), ela deve zelar pelo nosso país. Só que diante de tantos problemas enfrentados na Terra, Celestina recebe um ultimato. Ela deve converter a trambiqueira Maria Escandalosa (Cláudia Raia), golpista que mora em Santos, litoral paulista, filha do trapaceiro Tomás (Jorge Dória), em exemplo de honestidade. Do contrário, será punida com a mortalidade e uma vida como aposentada no Brasil. A inspiração veio de um filme de Frank Capra, A Felicidade Não se Compra (1946), nessa influência do Céu sobre os habitantes da Terra.

No início da novela, Maria e o pai embarcam num cruzeiro luxuoso a fim de ganharem dinheiro valendo-se da ingenuidade de milionários. Ricardo (Edson Celulari) cai de amores por Maria e ela por ele, o que coloca o golpe em risco – já com a influência de Celestina, que acompanha tudo.

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Otto, o viúvo Barba Azul, e Baby, a cunhada justiceira

O pai de Ricardo é o milionário Otto Bismark (Francisco Cuoco). Quando a história começa, ele está de luto pela morte de sua segunda esposa, Eugênia. Com ela Otto teve três filhos, Igor (Cláudio Fontana), Ulli (Mylla Christie) e Yeda (Tatiana Issa). Ricardo, por sua vez, era filho de Felícia, a primeira mulher de Otto. O viúvo era acusado de matar as esposas. Como resultado, a fama de “Barba Azul”.

A morte repetina de Eugênia traz de volta ao Brasil sua irmã Bárbara, ou Baby (Glória Menezes). No passado Otto e Baby viveram um romance, mas ele optou por unir-se a Eugênia. Baby o enfrenta, disposta a provar a culpa dele na morte de Eugênia. No entanto, o que ela não espera é a oposição de Elvira (Marieta Severo), secretária de Otto e que deseja ser a terceira Sra. Bismark. De tal sorte que ela se torna a maior pedra no sapato dos dois, chegando a casar-se com Otto mediante chantagem.

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O retorno de Dona Armênia e suas “filhinhas”

https://www.youtube.com/watch?v=_1AdG1RvnoE

Sucesso em Rainha da Sucata, Dona Armênia (Aracy Balabanian) voltou em Deus nos Acuda. Agora ela era proprietária de um pequeno prédio de apartamentos em Santos, onde moravam Maria e Tomás. Com Dona Armênia voltaram também seus filhos marmanjos, que ela chamava de “filhinhas” em virtude de sua confusão dos gêneros em português. Gerson (Gerson Brenner), Geraldo (Marcello Novaes) e Gino (Jandir Ferrari) – que reaparece travestido, como Gina – se viram às voltas com a investigação de um segredo da mãe.

Outros moradores do prédio

No mesmo edifício morava a prostituta Gilda (Louise Cardoso), que dizia trabalhar numa biblioteca à noite e acabou se envolvendo com Félix (Ary Fontoura), tio de Ricardo. Gilda dividia o apartamento com Clarice (Regina Braga), irmã de uma pessoa importante para Otto. Kelly (Maria Cláudia) traía o marido Heitor (Gracindo Júnior) com o milionário. Os adúlteros eram os pais de Nicolau (João Rebello), menino de rua que Baby adota.

Também moravam no prédio os irmãos Paco (Raul Gazolla) e Lauretta (Cristina Mutarelli). A moça é fogosa e barraqueira, revoltada contra o ciúme do irmão controlador. Este, por sua vez, era apaixonado por Maria, sem ser correspondido. Só encontra o amor ao se envolver com Clarice.

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Alguns problemas da novela

Deus nos Acuda entraria no ar no início de 1992, mas a emissora a adiou. Pouco após a estreia em 31 de agosto, teve início o processo que culminaria no impeachment do presidente Collor. Com efeito, a crítica proposta pela novela ao estado de coisas no País se esvaziou um pouco. Silvio de Abreu teve de apostar na comédia e nos romances intrincados da história. Seja como for, a química entre os casais centrais (Cláudia e Edson, Glória e Cuoco) foi intensa. Ainda, os personagens coadjuvantes como Dona Armênia, Félix, Gilda, Tomás e a impagável Xena (Carmen Verônica), amiga de Baby, sustentaram bem o clima do horário. Além, claro, de Dercy Gonçalves, super ativa em cena aos 85 anos, em ótima parceria com Cláudio Corrêa e Castro. Ainda que a repercussão tenha sido truncada, Deus nos Acuda não fez feio.

A inesquecível abertura de Deus nos Acuda

A fim de ilustrar o tom de crítica desejado pela história, a abertura criada por Hans Donner usou de impacto visual e ironia. Ao som de Gal Costa cantando um samba-exaltação de David Nasser e Alcyr Pires Vermelho (“Canta Brasil”), uma festa da alta roda vai sendo invadida por um mar de lama. Nele, submergem os convidados e boiam carros de luxo, dólares e joias. No auge do refrão, “No céu, no mar, na terra… Canta, Brasil!”, a perspectiva da imagem nos mostra aquela lama descendo por um ralo de privada e ouve-se a descarga.

O Vale a Pena Ver de Novo exibiu a novela num compacto, aliás, muito bem feito, exibido de novembro de 2004 a fevereiro de 2005. Já há condições, ao menos em termos de tempo decorrido, para que figure qualquer hora dessas no Canal Viva.

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