Há 44 anos, novela da Globo incomodou o mercado imobiliário e até Roberto Marinho entrou no meio

Publicado em 14/04/2018

Em 1º de abril de 1974, foi ao ar pela Rede Globo em seu horário das 22h o primeiro capítulo de O Espigão, mais uma novela de Dias Gomes.

Dirigida por Régis Cardoso com supervisão de Daniel Filho, era na opinião do próprio autor sua novela mais bem produzida até então – era a terceira produção em cores da emissora, após O Bem-amado (1973), do mesmo Dias, e de Os Ossos do Barão (1973/74), de Jorge Andrade.

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Sérgio Dourado era um empresário do ramo imobiliário que inaugurava empreendimento atrás de empreendimento por todo o Rio de Janeiro na década de 1970. Dourado sentiu-se retratado pela novela que estava para estrear, conforme já podia ver pelas chamadas, e se queixou ao Dr. Roberto, que determinou a Boni, o superintendente de operações da emissora, que o projeto fosse cancelado.

Diante disso, conforme contado por Dias Gomes em sua autobiografia Apenas um Subversivo (Bertrand Brasil, 1998), ele fora chamado à sede da emissora para uma reunião emergencial sobre a questão. “Sérgio Dourado era o dono de uma empresa imobiliária que estava destruindo o Rio de Janeiro, derrubando casas e mais casas para construir horrendos prédios de apartamentos. (…) Sérgio Dourado enfiara a carapuça porque eu mandara pesquisar o dia a dia do comércio imobiliário para poder escrever com segurança.”

Na época da novela, em entrevista ao repórter Felipe Adaime, da revista Amiga, disse Dias: “Há uma identidade natural com diversas pessoas porque a novela fala de coisas que existem na realidade e que todos estão acostumados a ver diariamente. Porém, não houve nenhuma intenção da minha parte em fazer biografia de quem quer que fosse.”

Tamanha era a quantidade de placas de obras cuja construtora era a Sérgio Dourado Empreendimentos Imobiliários que os telespectadores identificaram sem muito esforço a figura dele no empreendedor em Lauro Fontana (Milton Moraes), em seu desejo de colocar a qualquer custo a casa da família Camará abaixo.

A residência dos irmãos Urânia (Vanda Lacerda), Baltazar (Ary Fontoura), Marcito (Carlos Eduardo Dolabella) e Tina (Susana Vieira) ficava num ponto privilegiado do bairro carioca de Botafogo, e Lauro cismou com aquele local para que nele fosse erguido o “Fontana Sky”, maior empreendimento de toda a sua vida: um hotel de 50 andares, com tudo de mais moderno, cinco cinemas, três boates, dois teatros e um circo, além de lojas dos mais variados produtos para compras durante o dia ou à noite.

O próprio Lauro, antigo menino pobre, hoje casado com a rica herdeira do patrão, Cordélia (Suely Franco), era apreciador de tudo quanto fosse novidade tecnológica. O corredor que levava à sua sala possuía uma esteira rolante, e a cama em que dormia com Cordélia trepidava a um simples toque de botão. Além dos óculos especiais para determinadas situações: um par com para-brisas, para ser acionado dentro de uma sauna, por exemplo, e outro com holofotes, a serem acesos em locais de pouca iluminação.

Além da oposição da família Camará, havia a atividade de Léo (Cláudio Marzo), que se coloca contra a construção do prédio em defesa do terreno, de 5 mil metros quadrados de área verde, e numa atitude de protesto diante da desumanização e das muitas obras semelhantes em todas as grandes cidades, a devastação da natureza em prol “do progresso”, da especulação imobiliária. Ele vivia um romance com a jovem Dora (Débora Duarte), cujo filho nasce no primeiro capítulo em pleno Túnel Rebouças, ocasião em que o casal se conhece.

No final da novela, os Camarás vendem a propriedade e a casa é demolida. “As grandes obras custam sacrifícios humanos. É o preço do progresso”, declara Lauro à sua antiga amante Helka (Rosamaria Murtinho) no último capítulo, quando ele sai vitorioso na disputa e iniciam-se as obras do “Fontana Sky”.

Por causa da novela, termos como “espigão” para se referir aos grandes prédios e “ecologia” se tornaram populares e foram incorporados ao vernáculo. Ainda, O Espigão influenciou determinantemente a discussão de temas ambientais, novidade para a época. No elenco ainda as presenças de Mauro Mendonça, Mário Lago, Milton Gonçalves, Rui Rezende, Lutero Luiz, Dorinha Duval, Jardel Mello, Maria Pompeu, Ibañez Filho e Luiz Magnelli, entre outros.

Em 1982, quando enfrentou problemas com a Censura por conta da minissérie Bandidos da Falange, de Aguinaldo Silva e Doc Comparato, que estrearia em 9 de agosto, a Globo resolveu reprisar O Espigão em compacto para tapar o buraco, mas as pressões do setor imobiliário foram bastante fortes, com direito a ameaças de boicote aos anúncios nos classificados do jornal O Globo no caso da novela voltar aos vídeos, segundo apontou Cidinha Campos em sua coluna na edição de 15 de agosto de 1982 do Jornal do Brasil.

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Na época não era mais Sérgio Dourado quem pressionava; conhecedores da tônica da novela e de sua crítica ao negócio, os empresários do ramo não quiseram que mais algum deles fosse apedrejado durante um de seus lançamentos, como aconteceu ao próprio Dourado na zona sul carioca.

A minissérie foi liberada após negociações e cortes e exibida no início de 1983, já O Espigão nunca mais foi ao ar.

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