Éramos Seis

“Era quase uma doença”, diz Ricardo Pereira sobre o desquite na época de Éramos Seis

Ator faz par com Simone Spoladore na novela da Globo

Publicado em 05/11/2019

Com a carreira consolidada na TV brasileira, Ricardo Pereira não se cansa de buscar novos desafios. É isso o que o astro lusitano tem encontrado agora no papel de Almeida, cujo romance com Clotilde (Simone Spoladore) em Éramos Seis se vê obstaculizado pelo fato de ele ser um homem desquitado.

Eu tinha que ter a noção de que esse desquite, na época, ia ser a sombra do Almeida durante grande parte da novela. A Clotilde o rejeita um pouco por causa disso, e é legítimo também o pensamento dela… Esse desquite realmente teria que atrapalhar a vida dos dois, mas especialmente a vida social do Almeida. Seria algo que iria persegui-lo sempre e ele teria que carregar isso“, analisa.

Confira nossa entrevista completa com o galã ‘importado’ das 18h.

OBSERVATÓRIO DA TELEVISÃO – O público brasileiro te adora! Como você se sente nessa terra que já é a praticamente a sua casa?

RICARDO PEREIRA – Outro dia, no lançamento da novela, eu estava falando exatamente isso… É muito gostoso você encontrar as pessoas e elas te darem esse feedback do seu trabalho. É uma loucura, é muito bom! O artista não vive sem público – eu sempre friso isso. No teatro, no cinema, na televisão, você sempre se prepara pra entregar uma atuação e obviamente pra ter repercussão, respaldo, do que as pessoas acharam, do que entenderam, até do que elas se questionaram – porque é bom você fazer alguma coisa e elas saírem se questionando. O carinho que a gente recebe, as mensagens, as críticas – que são boas também, pra você evoluir… Isso é superbacana, ter essa interação com o público. É uma das coisas boas de ser artista.

O Tony Ramos também pensa assim…

Pois é! Estávamos falando sobre isso na gravação da mensagem de final de ano. Ele é uma pessoa genial! Um grande amigo, engraçado… Quando eu vim pro Brasil, 15 anos atrás [para atuar na novela global Como Uma Onda, de 2004], ele não me conhecia ainda pessoalmente – e na época todo mundo queria saber quem era esse português que vinha ser o primeiro não-brasileiro a protagonizar uma novela na Globo -, eu lembro que ele estava numa rádio e me falou: ‘seja muito bem-vindo, estamos aqui de braços abertos pra acolher você…’ E é dos meus grandes amigos hoje em dia, das pessoas que eu mais estimo, tem uma carreira incrível… Um exemplo também de carinho, de educação, de companheirismo. Uma pessoa que a gente deve se espelhar e, sempre que puder, seguir.

Agora vamos falar de Éramos Seis. Como o público está recebendo o drama do seu personagem?

É uma coisa seríssima [ele ser desquitado]. Era o meu grande medo, porque eu tinha que ter a noção de que esse desquite, na época, ia ser a sombra do Almeida durante grande parte da novela. Não que a gente fale do desquite sempre – óbvio, o personagem fala muito, porque lhe impossibilita o amor pleno. A Clotilde o rejeita um pouco por causa disso, e é legítimo também o pensamento dela… Esse desquite realmente teria que atrapalhar a vida dos dois, mas especialmente a vida social do Almeida. Seria algo que iria persegui-lo sempre e ele teria que carregar isso. O Almeida não é um cara ‘avoado’. Ele é um homem que gosta de se divertir, dançar, mas não é um homem ‘galinha’, nada disso. Ele é um cara que quer aproveitar e, acho eu, escolhe o cabaré porque ele quer esquecer esse passado dele: casou novo, com uma mulher que não amava ele e terminaram… Isso vai acompanhá-lo a vida inteira. Quando ele está com a Clotilde, é como se o tempo parasse! Isso é uma coisa que a gente queria muito: que, mesmo ele já tendo uma história de amor no passado, fosse como se com a Clotilde fosse a primeira. Como se aquele amor fosse o mais genuíno do mundo, o mais verdadeiro, o mais puro, o mais real! A gente [ele e Simone] construiu esse laço, essa forma, esse carinho, esse olhar intenso, esse olhar que passa tanta coisa… O fato é que a Clotilde não o quis, o tempo passa, vai a vida dele, passam dez anos e ele vai acabar encontrando uma outra pessoa que aceita o estado dele. Isso pra ele é muito importante: não só ser aceito, mas também constituir um lar pra poder receber os filhos, coisa que pra ele era muito importante. Então ele vai se juntar com outra mulher e vai viver uma vida com ela. Até que a Clotilde resolve reaparecer – e vem mudada, vem mais determinada, querendo esse homem pra valer… – e decide lutar por esse cara. E aí o Almeida fica de novo numa saia justa.

Mesmo tendo refeito a vida, o Almeida nunca esquece a Clotilde?

Ele refez a vida dele e pra ele está tudo bem. Vai ter um momento que ele não espera, em que o Júlio (Antonio Calloni) fica doente e ele dá de cara com a Clotilde no hospital. E aí… Sabe aquela coisa da perna fraquejar? Ele sai dali, completamente mexido, pelo amigo estar no hospital, por aquela mulher estar na frente dele… Quando eles se veem dez anos depois, obviamente, tem alguma coisa ali que os aproxima. Mesmo assim, o Almeida não pensa em deixar a pessoa com quem ele está. Mas a Clotilde insiste – o que é o mais bacana disso. Existe um empoderamento nela: uma mulher que saiu do interior de São Paulo, tem uma experiência de vida, sofreu por não ter feito a escolha que queria ter feito, mas socialmente achava que não erra correta… É uma história humana e muito bonita.

Você acha que pesará para o Almeida, na hora de pensar em voltar para a Clotilde, ter de encarar uma segunda separação?

Ele não casou de novo, até costuma falar: ‘amigado com fé, casado é’. Essa nova mulher dele – a Natália (Marcela Jacobina – é uma pessoa mais liberal, porque vem da Europa, passou um tempo na França. Só que, de fato, esse pensamento que você citou passa pela cabeça dele – que não é casado, mas é como se fosse. E agora vai separar de novo? E o que pesa muito nessa balança são os filhos. Ele conseguiu brigar na Justiça pra ter o direito de os filhos passarem um tempo com ele. Se vai de novo se ‘desquitar’, é um problema. Então o Almeida é um homem que está sempre preso em algumas amarras.

Chegaram até você histórias parecidas com as do seu personagem?

Não… Acho que as pessoas ainda estão muito focadas na história do amor do Almeida e da Clotilde – e estão muito mesmo! Se vocês vissem a quantidade de postagens de ‘Clomeida’ que tem no Instagram… Chega a ser assustador!

Você acha que o Almeida pode chegar a trair a atual mulher com a Clotilde?

Eu já pensei nisso… Eu estava lendo recentemente o capítulo 78 e pensando: ‘será que ele vai trair? como é que eu vou defender isso?’ Porque novela é uma obra aberta, e você simplesmente vai. A gente até hoje está descobrindo os personagens. Agora, se for nessa direção… Eu preferia que ele batesse na mesa, sabe? Pra ser coerente com tudo o que a gente já construiu até agora, seria bacana que ele dissesse: ‘Natália, não dá mais. Você foi incrível, mas eu estou apaixonado por outra pessoa’. Eu adoraria que ele tivesse esse papo franco. Mas… Acho que tem grandes chances de ele trair! [risos]

Você tem olhado alguma coisa das outras versões de Éramos Seis?

Eu olhei muito no começo, agora confesso que nem tanto. Inclusive, eu não lembrava que já tinha passado em Portugal [a versão de 1994], acho que foi na RTP… Foi uma novela que fez muito sucesso por lá. Mas fiz uma pesquisa muito intensa sobre o período [em que a novela se passa], principalmente quando percebi a intensidade dessa coisa do desquite… A gente chega à conclusão de que era quase uma doença. Depois, assisti a muita coisa de época, pra contextualizar e principalmente pra tirar esse lado contemporâneo que nós acabamos por ter na nossa vida, no nosso dia a dia, e que não seria bom de trazer pra novela…

Dos atores portugueses que vieram fazer carreira aqui na TV do Brasil, você não apenas foi pioneiro, como é, até hoje, um dos mais exitosos. Como você enxerga essa jornada do início até agora?

Passou muito rápido, mas tem sido muito bom. Faz exatamente 15 anos agora em 2019, eu vim em 2004. Quem ama viver não gosta que a vida passe rápido – eu adoro viver, não quero -, mas quando passa rápido é sinal de que você viveu intensamente e aproveitou todos os momentos. Acima de tudo, foi, tem sido e continuará sendo incrível, maravilhoso. E o acolhimento que eu tive – da parte de todos, sempre – foi sempre muito bacana, me senti em casa. Acho que isso foi fundamental. Como eu morei em outros países, eu tive uma bagagem de vida de me adaptar facilmente, de entender cada lugar. Sempre adorei culturas diferentes, e essa [a do Brasil] talvez seja mais próxima da minha do que a de outros lugares onde eu morei. Meus filhos são brasileiros. Acho que a gente vai capinando, né? Eu acho que as escolhas e o percurso da minha vida têm muito a ver com a força que você se dedica e com que você se entrega pra conseguir as coisas – em qualquer profissão. Você colhe coisas que você plantou há dez anos. Algumas pessoas têm um pouquinho de pressa demais. Acho que as coisas têm que ser graduais e não assim tão rápidas. Estou muito feliz e torço pra que venha muito mais coisa boa pela frente.

Em algum momento você pensou em voltar para Portugal?

Não. A gente – eu, minha esposa e filhos – realmente está em casa aqui. Acho que você tem que estar onde você está realizado. E, como eu visito muitas vezes Portugal, acabo matando essa saudade de quem está lá. Claro, eu tenho saudades de muitas coisas. Mas tento manter esse link sempre, faço vários trabalhos de parceria Brasil-Portugal, principalmente na cultura. Continuo tendo muita gente que vem me visitar, a mim e à minha família. É preciso ser realista também. O meu trabalho e a minha profissão, sendo desempenhados aqui no Brasil, e principalmente nessa casa que é a Globo… Você vai ter muito mais projetos diferenciados e desafiantes, atinge um público muito maior – o do Brasil e o do mundo. Isso, como artista, é superimportante. Mesmo assim, eu tento não perder muito esse link [entre os dois países], às vezes levo pra lá peças que eu tenho aqui. Tenho essa troca que me permite matar um pouquinho essa saudade. Mas, definitivamente, o futuro será por aqui.

(entrevista realizada pelo jornalista André Romano)

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