Gabrielle Joie revela que personagem trans de Bom Sucesso não será sofrida: “Vamos abordar a vida dela como menina”

Publicado em 17/07/2019

Substituindo a irreverente Verão 90, Bom Sucesso ocupará o posto de novela das sete da Globo no próximo dia 29 de julho. Escrita por Rosane Svartman e Paulo Halm, a trama marcará a estreia de Gabrielle Joie na teledramaturgia.

Com 21 anos, a atriz interpretará Michelly, uma adolescente de 15 anos extremamente divertida que compartilha uma questão em comum com ela: a transexualidade. A personagem terá sua história construída em torno do descobrimento da sexualidade e da transição.

Em conversa com o Observatório da Televisão, Gabrielle contou que, apesar do tema, a jovem não será retratada de maneira sofrida. “A história da Michelly é interessante porque não vamos falar sobre a dor da transexualidade e os sofrimentos“, afirmou.

A atriz também comentou sobre o preconceito familiar, durante o seu processo pessoal de transição, e assuntos como: mudança de nome, paquera, estilo e sociedade. Confira a seguir:

A personagem

Quem é Michelly na novela Bom Sucesso?

Ela é uma adolescente de 15 anos, que está no Ensino Médio, muito solar, danada até demais e ainda está nesta fase do descobrimento da sexualidade e da transição. É muito galanteadora. Por enquanto, o assunto não é sobre a jornada da transição dela, mas a vida e a personalidade dela. É uma garota muito agitada, animada, que está sempre com os amigos. Mas ela não é muito fofa. Já li uma parte em que a Michelly confronta a Gabriela (Giovanna Coimbra), assim que a amiga diz o nome de batismo dela.”

A trama vai retratar situações desconfortáveis por conta do nome social da personagem? Como você disse, a Gabriela comete esse erro.

Aí é um jogo de intimidade. Ela é sobrinha da Paloma (Grazi Massafera) e melhor amiga da Gabriela, estão sempre juntas e a linguagem do subúrbio é sem ressentimentos. É uma piadinha… Não é algo que a Michelly guarde ressentimentos. Elas são íntimas. Minha personagem sofre com transtornos dentro e fora da escola dela com relação à transexualidade, mas acho que o foco não será este.”

Semelhança com a personagem

O que você tem de parecido com a Michelly?

É uma menina alegre, estabanada como eu e nossa trajetória foi diferente: ela nasceu no Rio de Janeiro e eu em Brasília. Aqui no Rio ainda é um assunto novo e as pessoas ainda estão deglutindo sobre transexualidade. É o país que mais mata travestis. Para chegar em um lugar para contar nossa história tem de ser muito íntegro.”

Brasília é mais mente aberta?

Não é mente aberta, mas as pessoas não julgam. Também não digo que o carioca seja o contrário, mas o ambiente é diferente. O preconceito existe em qualquer lugar. Estar em uma novela é um prazer para mostrar que a gente existe. Estamos falando com a família, que assiste novela, quando todo mundo senta para relaxar. Além de ver que a gente existe, ocupamos o espaço e estamos trabalhando. As pessoas precisam ver que somos pessoas normais.”

Atriz Gabrielle Joie vive uma adolescente trans em Bom Sucesso
Atriz Gabrielle Joie vive uma adolescente trans em Bom Sucesso Foto João CottaGlobo

Preconceito familiar

Como você enfrentou o preconceito dentro de casa?

No início meus pais não entenderam. Por isso eu digo que a gente é muito perseverante porque quando queremos, vamos lá e fazemos a transição. Se hormoniza, perde família, amigos e quer fazer isso porque quer mostrar quem sente por dentro. Depois que eu conquistei minha independência e um lugar sozinha, foi mais fácil este processo de aceitação da minha família. De todo modo, foi muito tempo sem falar com eles, ouvindo coisas desagradáveis e deixei eles enxergarem sozinhos.”

Você passou pela cirurgia de redesignação sexual?

Não e nem quero fazer isso. Eu sinto que é parte do meu corpo, não me faz menos mulher e não vejo como algo masculino. É o meu corpo. Eu me sinto uma mulher! Eu sou uma mulher transexual. Até o silicone, eu reluto para colocar e prefiro deixar como está.”

Quando você se deu conta de que era uma mulher transexual? Qual foi a sua reação?

Desde pequena que eu sabia sobre a transexualidade. Sabia que seguiria esta trajetória e ergui a cabeça sabendo o que queria. Sabia que levaria porradas na cara e todos os obstáculos que enfrentaria, que são três vezes maiores do que as pessoas cisgênero. Não digo nem que seja pior, mas é uma trajetória com outros obstáculos. Eu sabia que isso ia acontecer, e passei perrengues inclusive na minha profissão. Sempre discuto com minhas amigas que temos de ter muita perseverança em nossa carreira. A Glamour Garcia e eu podemos contar nossa história. É muito gratificante e sinto um prazer enorme de contar para pessoas que não conhecem o assunto o que ele significa. A história da Michelly é interessante porque não vamos falar sobre a dor da transexualidade e os sofrimentos, mas vamos abordar a vida dela como menina.” 

Atriz Gabrielle Joie
Atriz Gabrielle Joie Foto Reprodução Arquivo Pessoal

Mudando de nome

O processo para as pessoas passar a te chamar de Gabrielle foi complicado?

Inclusive, a história da personagem gira em torno disso: ela se entende como mulher, se vê dessa forma, quer ser tratada assim e não entende o porquê os outros não processaram isso se ela mesma se sente desse jeito. Tem uma cena que gravei em que a Michelly entra em um banheiro feminino e isso causa uma reviravolta. Foi difícil gravar por ouvir todas aquelas ofensas. É importante ter um trabalho de ator para não levar aquilo para a vida pessoal. Mas confesso que mexeu comigo. Eu sinto que, a partir do momento que nasceu a Gabrielle, ela sempre esteve aqui. Quando penso em mim quando criança, me vejo como menina e sempre foi ela quem existiu.”

Como você analisa essa resistência das pessoas em entender sobre transexualidade?

A Michelly não aprendeu muito do que eu já aprendi. E uma delas é que nem sempre as pessoas serão como a gente espera que é. A partir do momento que ela faz a transição, já quer ser tratada como uma mulher e não entende o porquê as pessoas não a tratam no feminino. Ela precisa viver isso urgente! Hoje vejo que é um processo gradual, estou há cinco anos no processo de transição e tenho percebido que a nossa liberdade é algo íntimo e pessoal. É algo que a gente não percebe aos 16 anos.”

Paquera e sociedade

Quando você encontra com um crush, revela de imediato que é uma mulher transexual?

Não vejo esta necessidade porque já vira um assunto. Ninguém começa dizendo o que tem no meio das pernas. Não há esta necessidade. Prefiro evitar este tipo de rótulo porque é mais humano. A conexão fica mais genuína.”

Como você lida com a falta de empatia das pessoas?

Quando a gente persevera neste caminho, a gente vive os obstáculos e se machuca em muitos momentos. Acho um tamanho desrespeito, sem me ler como um ser humano e me tratar de uma forma desumana. É bom para me deixar mais forte e posso ensinar para outras pessoas.”

Estilo

Quando você achou o seu estilo? Para você deve ter sido um processo além do comum, né?

Eu sempre fui muito ligada à arte. Eu atuava, cantava e dançava, então acho que isso me facilitou porque vi uma performance na minha transição. Sinto que a mulher que sou era aquela que eu tinha nos meus sonhos de 10 anos de idade. Eu me lapidei desde criança.

Atriz Gabrielle Joie também trabalha como modelo
Atriz Gabrielle Joie também trabalha como modelo Foto Reprodução Arquivo Pessoal

Como você define seu estilo?

Acho que sou destemida, divertida, autêntica. É alguém que gosta de sair.”

Qual é sua peça de roupa favorita?

Eu ando muito de vestido porque é muito delicado, feminino e sexy.”

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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