Ícaro Silva comemora sucesso e representatividade de Ticiano em Verão 90: “Um galã preto”

Publicado em 16/04/2019

Todos os holofotes estão em cima de Ticiano em Verão 90 –  novela das 19h da Globo, escrita por Izabel de Oliveira e Paula Amaral. Interpretado por Ícaro Silva, o rapaz é o maior de cantor de lambada do Brasil e arranca suspiros da mulherada com seu rebolado em dia.

Nos próximos capítulos da trama, Tici irá virar apresentador da PopTV ao lado de sua adorável dançarina Dandara (Dandara Mariana). Por falar na moça, ela terá seu amor disputado pelo artista e Quinzinho (Caio Paduan), que por sinal é dono da emissora. Todas as confusões desse triângulo amoroso, Ícaro Silva falou em uma entrevista ao Observatório da Televisão.

O ator também comentou sobre o sucesso da novela, inspirações para compor o personagem e representatividade negra na TV. Além disso, Ícaro ainda falou um pouco sobre o espetáculo Ícaro and The Black Stars, que entrará em cartaz no Teatro Municipal Carlos Gomes, no Rio de Janeiro.

Confira a entrevista a seguir:

Você imagina que a novela Verão 90 iria ser um grande sucesso de público?

Eu já apostava muito no sucesso dessa novela porque ela tem um poder de memória afetiva muito grande com todos nós. A maioria das pessoas que está viva hoje viveu os anos 90, tirando as crianças e muitos jovens. Eu vivi os anos 90 e foram anos de exageros em muitos sentidos. A televisão, especificamente, era muito colorida e tinha todo tipo de programação. Programações que hoje não haveriam de jeito nenhum e, ao mesmo tempo, programações que fazem falta. Então eu acho que esse clima de nostalgia é o grande responsável pelo sucesso da novela”.

Você mudou o cabelo especificamente para a novela?

Esse cabelo é para especificamente, exclusivamente para a novela. Quando eu soube que o Ticiane ia ser baiano, eu sugeri que ele tivesse uma baianidade e uma ancestralidade afro também, que é importante”.

Suas habilidades com a dança e o canto facilitaram na composição do Ticiano?

Facilitou nesse aspecto sim. De cada trabalho que eu faço, eu vou trazendo o que aprendi no anterior. Cada trabalho tem um aprendizado. Claro que os musicais me ajudam muito em todos os personagens, não só nos personagens que têm alguma musicalidade. Mas em qualquer outro personagem por conta da disciplina que o musical precisa, uma vez que tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. Então eu trago sim coisas dos meus outros trabalhos coisas para o Ticiano, principalmente o musical.

Mas eu acho que o que eu trouxe para esse personagem, que não vejo muito na TV, é essa baianidade, afro-latinidade. Essa ascendência afro-latina mesmo, que a gente é tão afro-latino no Brasil e fala pouco disso. Então as minhas referências são essas nesse sentido: a Bahia, afro-latinidade e esses homens que não têm pudor em rebolar. Esses homens que também estão desconstruídos nesse lugar machista do homem duro, que não rebola”.

Você já tinha uma relação com a lambada?

Na época da lambada bombástica mesmo, a lambada fazia muito sucesso no Brasil e era ritmo número 1, eu era muito pequenininho, criança. Mas a minha mãe comprava rouba de lambada para eu e minha irmã. A gente até se inscreveu em concurso de dança na rua de lambada, mas como criança mesmo, concurso mirim. Eu devia ter uns cinco, seis anos. É uma lembrança bem do iniciozinho dos anos 90 para mim. O que pegou mesmo na minha infância, e o Ticiano também se baseia um pouco nesse lugar, foi o axé Bahia: É O Tchan, Companhia do Pagode, Harmonia do Samba. Isso pegou muito.

Eu também participei de concurso, a gente dançava em todas das festas. Com o É O Tchan foram cinco álbuns fazendo a festa da galera, com todas as coreografias prontas. Sem lá de onde a gente aprendia, porque não tinha internet, mas chegava na hora todo mundo estava com sua ‘coreo’ em dia. Eu acho até o Ticiano um pouco parecido com o Beto Jamaica, que é muito solar. O Beto Jamaica e o Compadre Washington são tão solares que você vê os diálogos deles nas músicas. Eles são muito felizes e eu acho que isso tem a ver com o Ticiano também”.

Como está sendo interpretar o Ticiano? Ele é um sucesso na trama.

Eu gosto muito de fazer esse personagem porque ao mesmo tempo que explora uma comicidade, que está presente em quase todas as camadas da novela, ele também é um personagem que aparece num lugar novo e diferente da TV. Porque ele é basicamente um galã preto, sem a justificativa da negritude, sem qualquer coisa que procure colocar ele num nicho específico. Ele só é um homem muito legal, interessante, divertido, talentoso e que está apaixonado por essa menina (Dandara) que, a princípio, não está a fim dele.

Eu me divirto muito fazendo e tenho ficado muito feliz também com o feedback do público. Porque a gente tem vibrado uma energia muito solar nessa novela e o país está um pouco indo pelo caminho ao contrário. A gente está muito nas sombras, então é bom poder falar disso e trazer essa energia para o público também”.

Disputa pelo o amor de Dandara

O Ticiano e o Quinzinho vão disputar o amor da Dandara? Como o seu personagem vai tentar conquistar ela?

Tem que perguntar para as autoras Izabel e Paula. Tem que perguntar o que elas acham. Eu, particularmente, gosto muito que a gente explore a afetividade preta. Eles são um casal de pretos numa novela. Eu acho muito legal que a gente explore isso, porque eu acho que exploramos ainda muito pouco. Então se você estiver perguntando para o Ícaro o que ele acha, ele vai dizer que torce para esse casal. Ao mesmo tempo, a Dandara tem uma história com o outro personagem, o Quinzinho, que vem seguindo pela novela. Se essa história tem a força que se espera que ela tenha, eu não sei. Mas aí tem a La Donna também que é uma figura gigantesca. Que é a Danni Carlos que surge na vida do Ticiano. Eu não vou dar nenhum detalhe não (risos)”.

O Ticiano e Dandara vão ganhar um programa na PopTV, eles irão forjar um namoro, depois ela casará com o Quinzinho e um monte de mentiras serão contatas por esse trio. Como será esse embate?

O Ticiano é uma figura muito diferente de mim nesse sentido. Ele compra esse lugar de celebridade, que eu não compro de jeito nenhum, que é essa necessidade de expor, dividir e contar sobre a vida pessoal. Sobre o que é e sobre o que quer na vida pessoal. Ele basicamente joga o jogo das celebridades, e no jogo das celebridades tudo vale. Então um namoro de fachada para ele não é nada. Um namoro de fachada é mais uma jogada para ele continuar em alta.

O importante para o Ticiano é que ele continue em alta. Ele é um artista de mídia, ele é um popstar e ele gosta disso. Ele banca e compra esse lugar. Ao mesmo tempo, ele de fato se apaixona pela Dandara. Ele fica atravessado por essa paixão sim. Mas eu diria que falta maturidade emocional nele para saber lidar com as duas coisas, por isso a gente vai ver algumas confusões rolarem aí”.

Como estar sendo dividir cena com a Dandara?

Maravilhosa! Me desculpem todas as outras atrizes da novela, não tem a ver com ser a Dandara, mas a Dandara é minha atriz favorita, de fato. E eu não estou falando por causa dos nossos personagens, estou falando pelo trabalho que eu vejo. Eu gosto muito do trabalho da Dandara, muito, muito. Eu tenho muito orgulho dela. Ela está numa linha muito tênue porque é uma personagem extremamente sensual, mas que ao mesmo tempo é muito digna dentro das suas escolhas. Para ela ficar sexualizada é um passo, e ela não sexualiza porque sabe fazer aquilo de um jeito muito bom e com muita dignidade.

Ela explora o drama todo que há na personagem dela, que é essa mulher que quer viver a própria vida do jeito que escolheu. Ao mesmo tempo, explora a comicidade que é parte de toda a novela. Eu amo contracenar com a Dandara, fico muito feliz mesmo. Ela é maravilhosa, uma atriz completa e do musical também. Dandara canta para caramba, dança, é bailarina. A Dandara é uma artista muito boa de jogo. Quando você encontra um parceiro que gosta de jogar dentro do exercício cênico, isso é a melhor coisa”.

Representatividade

Como é para você ser inspiração para os jovens negros?

Primeiro tem a ver com o fato de que eu não sei fazer mais nada. Eu não sei fazer qualquer outra coisa. Eu não sou bom na cozinha, não sei limpar casa, eu não sou bom organizando, eu não sou bom de financias. Eu sou artista mesmo, desde sempre. É onde eu procurei mergulhar. Fui entendendo que a gente está num país em que é preciso ter muito jogo de cintura. Porque a gente vive aqui alguns cânceres. A corrupção e a burocracia eu acho que são as coisas mais difíceis. E quando você vem de uma realidade mais dura e menos privilegiada, você encontra mais burocracia e é mais solapado pela corrupção.

As pessoas mais pobres e de menos condições são mais trapaceadas no Brasil. A reforma da previdência agora está deixando isso claro. Mas de uma forma ou de outra, o importante é que nesse momento a gente comece a escutar cada vez mais as vozes que não são escutadas. Então quando você me pergunta sobre o que eu acho de ser uma referência, eu acho que referência é igual um farol, é um ‘venham por aqui, esse é o caminho’.

O que você gostaria de fazer para outros negros tivessem mais espaço na sociedade?

Então eu gostaria de poder dar voz para quem não tem voz. Acho que tem pessoas de representatividade que podem funcionar como referência muito mais do que eu. Gente que está engajada em causas que são de fato diário, urgentes e cotidianos. Eu tenho procurado dar voz para essas pessoas, porque o meu trabalho passa por um lugar de mídia. E o que eu tenho entendido é que é importante que a gente, que tem qualquer tipo de mídia, use as nossas vozes para se mobilizar. Porque a gente, estruturalmente falado, estamos muito prejudicados.

Tem acontecido de prédio cair numa cidade gigantesca. A nossa luta agora é para reestruturar as coisas no Brasil. Reestruturar tudo que era tão negligenciado há tanto tempo nesses lugares onde não há voz. Então a minha expectativa como referência, se é que eu posso me chamar assim, é dar voz para quem não é ouvido. Temos um momento de coisa que não sabemos e pessoas que não conhecemos que estão em situações que nem imaginamos. Eu já fui uma delas e posso dizer que o buraco é bem lá embaixo. Se você nasceu na classe média, você não tem nem ideia”.

Como você analisa a conquista de negros em papéis importantes na televisão brasileira? Falta muito ainda?

Eu acho as duas coisas. Acho que falta muito e acho que já avançou bastante. Avançou bastante porque tínhamos uma mídia com segregação racional explícita. Quando você pensa na imagem da Xuxa e das treze paquitas serem exclusivamente loiras, na TV dos anos 80, você pensa num Brasil branco. Uma televisão lavada em branco. Você, realmente, não tinha figuras de outras etnias. Hoje temos várias figuras de outras etnias que trazem uma representatividade, a gente observa elas. Mas ainda não estão num lugar que represente culturalmente essa população. Como estava falando aqui, a gente ainda não se representa afro-latino, de certa maneira.

A cultura brasileira, trazida da África e que virou o que somos ainda não é valorizada nesse sentido. Somos muito afros na comida, somos muito afros na nossa arte, cultura popular, nossos ritmos. Se a gente pensar em lambada, em rap, em samba, pagode, em todos os ritmos mais populares no Brasil. O funk também. Eu acho que temos um caminho pela frente que estamos percorrendo. Mas, de qualquer maneira, tenho visto que existe cada vez mais voz. É preciso que a sociedade branca se organize nesse sentido também, de viabilizar o fim do racismo.

Não adianta uma pessoa branca perguntar para mim o que eu acho que ela tem que fazer para acabar com o racismo. Isso é um problema de todos os setores da sociedade. Então é preciso, principalmente nesse momento, que as pessoas não negras entendam que o racismo é uma luta dela e que é necessário que elas estejam. Nesse sentido, eu digo que é preciso que a gente tenha escritores, roteiristas, pensadores, diretores, criadores mesmo negros. E nesse sentido, a gente ainda está muito no início do caminho, mas seguimos diariamente”.

Ticiano e o preconceito de Mercedes

O Ticiano já protagonizou cena com a Mercedes (Totia Meireles) onde o preconceito e o racismo foram batidos de frente. O personagem também tem a função de falar sobre esses assuntos?

Uma coisa que eu percebo e que é muito perigosa, principalmente em relação ao público, é que a imprensa escolhe falar desse lugar. Quando sai uma matéria minha, eu posso falar sobre todos os assuntos do mundo, mas geralmente a manchete é sobre o racismo. Eu acho que o lugar do Ticiano dentro dessa história é que ele segue brilhando independente de qualquer coisa. A Dandara enfrenta esse preconceito no dia a dia dela com unhas e dentes, bate de frente ideologicamente mesmo com isso.

Acho que com o Ticiano a ideologia está mais nesse lugar do ‘eu vou ser tão grande vocês não vão ter como negar’. Acho que ele é um artista mais nesse sentido assim. Eu transito pelas duas coisas. Mas de uma maneira ou de outra, é chato falar sobre isso para todos nós. A gente fala porque é realmente um tema que temos que organizar. Poder fazer um personagem que trabalha nesse lugar do brilho, que não necessariamente está militando, mas que ao mesmo tempo não deixa de militar porque brilha muito dentro do que é, é um barato”.

Ainda sobre o assunto, ao que você atribui esse preconceito e o racismo da Mercedes?

Essa pergunta é muito complexa porque ela diz respeito a história do Brasil inteiro. Está tudo interligado. O preconceito racional no Brasil é totalmente ligado ao preconceito social, que tem a ver com o fato de uma libertação de 130 anos atrás completamente desestruturada e burra (risos). De ter uma parte de 40% da população totalmente negligenciada, só que aí junto”.

O estilo musical do Ticiano também sofre preconceito da ricaça?

A história do Brasil é estruturalmente racista em cada detalhe. Então quando você me pergunta sobre o estilo musical, sim. O estilo é afro-latino, africano. A menina (Dandara) é afrodescendente. As roupas dela trazem também a cultura afro-latina da lambada. Então ela (Mercedes) está sendo racista e elitista. Geralmente o racismo e o elitismo são as mesmas coisas, um pouco”.

Ícaro and The Black Stars

Como está a expectativa para estrear pela terceira vez com o espetacular Ícaro and The Black Stars?

Eu tenho muito orgulho desse espetáculo porque ele me confirma um lugar que eu acredito que é muito do artista como autônomo. Na faculdade de teatro eu tive um grande mestre, que é o André Paes Leme, um diretor do Rio e Lisboa. O André me ensinou muito, entre muitas coisas, que o artista precisa ser dono do próprio trabalho, dono do próprio discurso. E a gente vai ‘cantando milho’, entendendo um pouco como funciona isso, se dando bem em alguns lugares, se dando mal em outros. Enfim, tendo jogo de cintura e vivendo a vida com os percalços eu ela tem. Mas de uma forma ou de outra, é muito bom quando a gente consegue reunir coletivamente um time e fazer um projeto de uma coisa que você acredita muito.

Eu acredito muito em Ícaro and The Black Stars. Acredito muito na nossa força afro-latina. E acho que é muito importante trazer isso, principalmente, para o público mais jovem. A galera que fala do ‘mimimi’ reclama muito de um lugar meio estável. E esse lugar do estável, do adulto, do velho já é meio que passado. Quando eu falo, eu estou falando para os jovens, para as crianças, e para os jovens e crianças que existem dentro das nossas cabeças adultas também. Poder fazer esse projeto, poder falar com essas pessoas, poder falar desse assunto a partir de mim, usando o artista que sou e tudo que sei fazer, é a maior realização de todas. Com certeza, esse espetáculo é a realização da minha vida. Isso é fato!”.

Por quanto tempo o espetáculo ficará em cartaz?

Vai ficar do dia 19 de abril até o dia 26 de maio, no Teatro Municipal Carlos Gomes, na Praça Tiradentes. Sextas e sábados às 20h, domingos às 18h. Todo domingo tem uma palestra depois do espetáculo sobre a afro-brasilidade”.

Você consegue identificar a faixa etária do seu público?

Eu tenho a alegria de ter público de todas as idades. Eu gosto muito de falar com as crianças e com os jovens, mas é um pouco nesse sentido também da criança e do jovem que existe dentro de cada pessoa. Eu gosto de tocar as pessoas na energia lúdica dela, na energia criativa. O teatro, por exemplo, que é a minha casa, é um lugar onde você explora muito a energia lúdica das pessoas porque você está obrigando elas a imaginarem coisas. Está convencionando com elas que aquela realidade não existe, mas que elas vão acreditar. Então o meu público é basicamente são as crianças e as crianças que existem dentro de todos os adultos”.


*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.  

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