Paulo Vilhena viverá um cara alcoólatra em O Sétimo Guardião: “Existe um buraco pessoal e existencial muito grande”

Publicado em 18/10/2018

Em Império (2014), Paulo Vilhena impactou o público ao interpretar Domingos Salvador, um homem esquizofrênico que tinha nas artes plásticas o seu momento de paz. Quatro anos depois, o ator volta à teledramaturgia com a missão de viver mais um personagem denso e cheio de conflitos: o João Inácio. A figura está inserida no universo de O Sétimo Guardião – próxima novela das nove da Globo, escrita por Aguinaldo Silva.

Em conversa com o Observatório da Televisão, Vilhena revelou que o personagem tem um relacionamento conturbado com a família, que o julga como culpado pela morte da esposa. Amargurado e imerso no alcoolismo, João Inácio encontra refúgio no bordel de Ondina (Ana Beatriz Nogueira), onde tem a prostituta Stefânia (Carol Duarte) como sua fiel parceira no tango. Confira a entrevista a seguir:

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Quem é João Inácio?

É o meu segundo trabalho com o Aguinaldo. O João Inácio traz uma atmosfera um pouco misteriosa. Tem uma dor da perda da mulher, tem uma ex-sogra que força uma relação com o filho, um pouco por esse lado da perda da mãe do menino, culpando o pai.  É uma relação muito dolorosa e difícil entre essa família, que já não é mais uma família. É uma cidade pequena, então essa culpa pela morte da filha, que ela diz ser dele, a cidade toda acaba também o vendo como culpado.

“É uma relação muito dolorosa e difícil entre essa família”

Ele tem um trabalho bem ordinário na prefeitura. Trabalha na burocracia fazendo fechamentos. Tem a válvula de escape dele no bordel, que é onde ele vai para beber e esquecer um pouco essa realidade dura. Lá ele tem o tango, que é uma dança onde ele consegue sair um pouco desse universo. É um personagem bem especial. Dá para ver nele cores bem interessantes. Agora é começar aos poucos ir pintando essas cores e trabalhando com elas.

Ele sente culpa pela morte da mulher?

Ele se sente culpado pelo tanto que leva essa culpa da família, da cidade, do filho. É uma culpa que a gente não sabe de fato de onde vem.

Mesmo com um relacionamento difícil, existe afeto entre o João Inácio e o filho?

É um menino criado pela avó”

Tem muito afeto e muito amor. Só que do lado de lá tem a ex-sogra que vai minando o moleque. Ele vai criando as questões dele em relação as atitudes do pai: por que ele frequenta esse tal bordel? Porque ele está dançando com uma prostituta? É um menino criado pela avó.

Como será a caracterização do João Inácio?

A caracterização dele é bem careta. Ele está sempre coberto, usa uma gravata. É engraçado.

O universo de João Inácio

O João Inácio dança muito com a Stefânia (Carol Duarte) no bordel. Pode surgir um romance entre eles dois?

Eu acho que é um caminho a acreditar. É como se os personagens que estão ali dentro se transportassem para uma outra realidade. É um lugar que eles talvez fujam um pouco dessa rotina, desse dia a dia de uma cidade pequena e que tem sempre a mesma dinâmica. Ali é um lugar para acontecer alguns bons causos e, talvez, um grande amor.

Ele deixa de ser careta no bordel?

Nem tanto (risos). Na verdade, é um lugar que ele frequenta porque só tem aquele lugar. Ele chega lá para ouvir o tango dele, beber e ficar ali. Voltar para casa é uma solidão tremenda. A cidade não oferece mais nada (de lazer). Tem um problema de relação com o filho.

Preparação para o personagem

Em Império (2014), o Aguinaldo te desafiou a viver um personagem esquizofrênico. Agora, em O Sétimo Guardião, o João Inácio vai explorar o mundo do alcoolismo. Como foi a sua preparação para retratar esse vício?

É um tema de saúde pública, que impacta uma grande parte da sociedade que, de alguma maneira, se relaciona com a bebida alcoólica. Eu vou tentar me apegar mesmo pelo lado de estudar, de fato, o que é a doença em si para levar um pouco de consciência para quem assiste, de relembrar.

Eu acho que esse já é um tema bem abordado, bem falado em vários programas de variedades, até programas de saúde pública falam bastante sobre o alcoolismo. Estudar para em nenhum momento cair em uma caricatura, e sim (ser) um cara que sofre com aquilo. Por muitas vezes pode parecer que está se divertindo, mas ali existe uma grande doença e um buraco pessoal, existencial muito grande.

Sentiu dificuldade em aprender dançar tango?

É claro que qualquer coisa nova que você vai fazer já se cria ali uma dificuldade. Mas na métrica ele não é uma dança difícil. Difícil mesmo é você se apoderar da força dele, do cavaleiro, da dama entender os mil anseios que existem e podem existir.

É uma dança que tem uma marcação até que simples. Porém, o que é mais interessante é como você, como personagem, entra naquele corpo, ritmo e relação. É isso que eu acredito ser o grande desafio. E eu e a Carol já vem trabalhando. Gravamos no cenário do cabaré e vamos encontrar esses personagens nesse lugar e com esse ritmo.

“É uma menina que tem uma história com o teatro”

Como está sendo a parceria em cena com a Carol Duarte?

A gente fez alguns ensaios por conta do tango. Eu conheço a Carol da outra novela que ela fazia com alguns amigos. Eu visitava algumas vezes o set e a conheci. Ela sempre foi muito receptiva e eu acho que isso é o mais interessante para uma parceria em atuação. É você estar aberto ao outro, vice-versa, para que os personagens cresçam e apareçam de acordo com essa disponibilidade da boa vontade de ouvir. É uma menina que tem uma história com o teatro, então isso ajuda muito. Na TV, talvez, seja o segundo trabalho dela, mas já se vê um estofo de atriz que é muito bom.

Você interpretou algum personagem que é pai ao longo da carreira?

Em novela eu acho que é o primeiro pai. É o primeiro pai sim, e logo de um galalau de 18 anos (risos). É engraçado, hoje, depois de 20 anos trabalhando me vê em um momento de transição mesmo.  Quando você ganha um personagem que já tem uma estrutura familiar, aonde você passa ser o pai e não mais o filho, você vê que algum tempo passou. Mas acho também que é a lei natural da vida, e é bom que seja assim. Acho que traz uma possibilidade nova.

Trajetória de Paulo Vilhena

O público está acostumado a te ver na tela como um homem mais jovem, e agora você aparece como um pai. A maturidade te assusta um pouco?

Eu acho que sim. Na verdade, eu já me peguei em alguns momentos refletindo sobre o que dizem ser uma crise dos 30, depois a crise dos 40. As minhas crises foram exatas. Nunca foi do 30, foi o 33. Acho que para o homem demora um pouco mais para perceber o que está acontecendo (risos). Eu percebi isso trocando ideias com as pessoas, com amigos que me relaciono há 20, 25 anos. Você vê tudo acontecendo, as famílias serem criadas.

Enfim, o tempo vai passando e acho que isso é meio chocante. Se você olha por esse lado, possa ser que te dê uma desestabilizada. Mas tem um outro lado muito bacana também de pensar que são 20 anos de uma trajetória profissional muito interessante. Eu aprendi e vivenciei muito. Essa transição do jovem para o adulto, agora um adulto mais maduro. Acho que isso tudo meio que se misturou a vida e no resultado final, eu acho que está positivo.

Em Império (2014), o Aguinaldo te desafiou a viver um personagem esquizofrênico, o Domingos. Como foi essa experiência?

Quando o personagem foi apresentado, eu procurei estudar bem aprofundadamente qual era a doença esquizofrenia. Dentro desse estudo eu descobri vários níveis da doença. Quando eu o encontrei pessoalmente falei: ‘Aguinaldo, eu andei estudando a respeito da doença e ela tem esses níveis todos. De 0 a 10, qual você imagina que seja interessante para o personagem?’. Ele falou que podia ir para o nível entre o 8 e 10. Então eu vi que o personagem estava em um nível bem avançado da doença.

“É uma doença que causa muito desconforto na família”

Com isso veio a oportunidade de trazer uma figura que falasse de uma questão de saúde pública. Eu recebi muitas conversas, até mesmo através de redes sociais, de pessoas falando de casos dentro da própria família, no ciclo de amizades, que sofriam da doença e não sabiam como lidar porque não tinham no estado uma possibilidade de aprender, ouvir e saber sobre a doença. É uma doença que causa muito desconforto na família.

Por que é gera esse desconforto?

Causa muita vergonha porque as pessoas não sabem lidar, porque não sabem se está com problema pessoal, uma bebedeira ou usando algum outro tipo de droga. Ela (a doença) arrebata a pessoa e vai acrescendo assim como um alcoólatra. A doença vai crescendo dentro da pessoa. Você tem como estagnar, mas ela fica instalada. Isso também é um dos grandes problemas.

Às vezes você acha que conseguiu controlar, e no momento seguinte com uma potência ainda maior. O personagem para mim foi de uma extrema importância. Cada vez que eu encontro com o Aguinaldo é um agradecimento novo porque me proporcionou, de fato, uma grande experiência profissional e pessoal.

O impactado da carreira na vida pessoal

Após o Domingos, o público deixou de associar você a uma imagem de bad boy?

Quando as pessoas falam sobre um ator, às vezes elas só veem uma parte. A minha preocupação, de fato, nesses 20 anos de (de carreira) foi me tornar um profissional cada vez melhor. A minha vida artística começou com uns 20 anos e ela se confundiu muito com os personagens que eu fui fazendo ao longo desses anos. Eram personagem que tinham, de fato, na televisão uma figura em um universo da juventude, da rebeldia, da malandragem carioca ou do universo das faculdades.

Ao mesmo tempo isso se refletia nas mídias, nos periódicos, nas revistas, quando elas existiam ainda, e durante um tempo também na internet e nos sites. Mas eu acho que chega um tempo em que é natural que as coisas se equalizam através da própria idade. As coisas começam a se colocar no devido lugar como de fato é e acontece.

Você nunca se preocupou em manter uma figura de bom moço?

Eu nunca forcei uma barra para ser visto como o cara mais legal, o cara mais correto. Já cometi meus erros, já me arrependi, já não cometi (erros). Hoje, para mim, é mais importante você ter nas mãos uma possibilidade profissional e executá-la da melhor maneira possível para que seja visto como o ator que representa aquele personagem e que está dentro daquele trabalho, que envolve mais 70, 80,100 pessoas. E que você está comprometido com aquilo para entregar o melhor resultado.

“Eu nunca forcei uma barra para ser visto como o cara mais legal”

Para finalizar: Por que o público deve acompanhar O Sétimo Guardião?

Uma obra de teledramaturgia tem uma proximidade. Eu acho que traz para o público algo de novo que eu gosto muito. Na verdade, o Aguinaldo sempre teve quase que uma tradição de mexer com realismo fantástico, de trazer personagem que flertam com o lúdico. Trazem uma memória para mim, pelo menos, de Roque Santeiro, onde tinha o homem que se transformava em lobisomem.

Eu via aquilo pequeno e achava o máximo. Tinha uma verdadeira adoração, e um medo tremendo também de assistir à novela porque eu era pequeno. Mexia muito comigo nessa descoberta do que a arte pode causar, no caso a teledramaturgia. Então a novela já tem esse ingrediente que para mim é muito favorável de trazer para o público uma história que foge um pouco dos padrões das novelas passadas, que falam muito sobre a realidade, o dia a dia do cidadão brasileiro. Traz um pouco de leveza, do que acalma os corações em um determinando momento do dia, que é sentar para assistir uma obra de ficção.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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