Fernanda Lima fala sobre a importância social do programa Amor & Sexo: “A gente precisa colocar esses assuntos na televisão numa linguagem que as pessoas entendam, assimilem, e se divirtam”

Publicado em 06/10/2018

Na próxima terça-feira (09) estreia a nova temporada de Amor & Sexo, comandado por Fernanda Lima. A apresentadora conversou com o Observatório durante o evento de lançamento da atração nos Estúdios Globo, e falou sobre a longevidade do show. Segundo ela, o amadurecimento do formato possibilitou tocar em assuntos que antes não eram tocados.

Durante o bate papo, Fernanda falou sobre a importância de ter conseguido um grande espaço para tratar de temas importantes na televisão aberta, e relata como lida com a criação dos filhos. Ela ainda fala sobre o diálogo aberto, que tem com o marido, o também apresentador, Rodrigo Hilbert. Confira:

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Como está sendo fazer mais uma temporada de Amor & Sexo e levar esse assunto para as pessoas?

“A gente não falava de relação aberta, de transição de gênero, não falávamos de sexo sem amor. Vejo um passado como o do meu pai e mina mãe que não se falava de nada. A gente precisa estar atenta, forte, estudar bastante, se informar bastante para conseguir colocar esse assunto que é muitas vezes denso, delicado. A gente precisa colocar esses assuntos na televisão numa linguagem que as pessoas entendam, assimilem, se divirtam. De uma forma que seja leve. Muitos assuntos não são leves e temos que conseguir fazer uma receita, que agrade as pessoas e não fuja do tema”.

Mudanças no Amor & Sexo desde sua primeira temporada

Você consegue exemplificar se essas mudanças mudaram a forma como o discurso é passado da primeira temporada para hoje?

“Eu acho que os relacionamentos precisam ser revistos. Vivemos numa sociedade mais democrática no sentido que todo mundo posta sua selfie. No sentido que você não precisa mais ter o telefone do seu crush. No Instagram dele você manda uma direct, então são mudanças muito radicais na maneira de se relacionar. Acho que é importante levar em conta as ferramentas que fazem o mundo mudar. Só sobre relacionamentos são muitas questões, narrativas novas e possibilidades, chances de colocar isso na mesa, pensar como vai ser. Não adianta você pensar ‘eu sou dele, ele é meu, a gente se ama, eu só vou olhar para ele, a gente vai velhinho assim até os 98”. Não querida, o mundo mudou e a gente precisa estar preparado para todo o tipo de onda que pintar na nossa vida.”

Você lidaria com um casamento aberto por exemplo? Tenho a sensação de já ter ouvido lá atrás você dizer que era meio ciumenta…

“Eu sou. Mas eu tenho 40 anos, não 20. Acho que alguém que tenha 20 hoje, já consiga lidar com isso de uma outra maneira. Eu estou presa a modelos um pouco mais antigos, então sinto ciúme. Tenho um casamento monogâmico, mas venho refletindo muito e tentando entender como posso ser melhor nesse mundo de hoje.”

Importância da mensagem do programa

Você acha que nesses 10 anos de programa, o Brasil melhorou de alguma maneira de acordo com a mensagem do programa?

“Eu acho que sim. Eu mais do que ninguém recebo um feedback muito direto. As pessoas têm uma coisa muito íntima comigo, porque a gente entra na casa das pessoas. Acompanho muito de perto esse reflexo nos outros. Acho que tem um impacto muito grande, porque muita gente não consegue ter nenhum tipo de diálogo em relação à sexualidade dentro da sua própria casa. Isso não é um julgamento, e sim um fato. A maioria das pessoas da minha idade é fruto de famílias que não discutiam sexo e relacionamentos dentro de casa. Como falamos de aceitação, minorias, estamos falando de um universo muito solitário. Isso porque muitas famílias não sabem lidar, jogam para fora de casa, batem, abusam.

Estamos falando de coisas muito sérias. Então quando a pessoa liga a TV e tem algum entendimento de que ela é legal, e só é diferente e não por isso ela tem que ser violentada, esculachada, eu acho que a gente já cumpre nosso papel. E sim, acho que temos muito mais informação e conseguimos elaborar coisas que nem se tocava no assunto. Quando vemos um programa como esse na TV, vemos que são tempos mais livres para falar sobre tudo isso. Em contrapartida, encontramos discursos de ódio absolutamente retrógrados que vem para se chocar com essa tentativa. Temos que mostrar para esse pai preconceituoso, que é normal ser gay, que o que importa é o caráter dessa pessoa e não a sexualidade dela. E ele conseguir entender isso, acolher o filho. Isso é muito poderoso, muito potente”.

Relação matrimonial

Você disse que tem alguns valores ainda antigos, mas você consegue se inspirar nas novidades do programa? Como você leva isso para a sua relação?

“Sim, com certeza. Eu tenho uma relação monogâmica, conservadora, mas de muito diálogo. Isso hoje. Quando tínhamos nossos 20, não falávamos sobre isso. Eu não falava, Rodrigo [Hilbert] menos ainda. Depois ele começou a perder a timidez e falar um pouco mais. A gente mudou muito, e a gente conversa. Claro que tem assuntos que são mais difíceis de conversar. Antes eu sentia alguma coisa e ficava quieta, hoje eu falo. Sobre sexo a mesma coisa. Quem tem vida sexual ativa tem que estar sempre tentando melhorar. As pessoas vivem perguntando o que a gente faz para melhorar. Ah, eu sou casada, durmo de pijama todo dia junto, não tem muita ‘apimentação’ de relação. Temos que sonhar junto, se valorizar, se cuidar para o outro te ver bem também. A gente tenta sempre com o dialogo aprofundar nossa relação”.

Em quem você vai votar para presidente? O que você prioriza?

“Eu priorizo o ‘EleNão’. Qualquer coisa menos o fascismo. Estou muito preocupada porque estamos num quadro bastante delicado. As pessoas realmente estão venerando um fascista, e isso é muito triste. Eu vou procurar uma terceira via se isso responde sua pergunta. Sou a favor da democracia, e da alternância de poder por isso acho que está na hora de a gente mudar, mas jamais para esse homem inominável”.

Projetos de morar fora do Brasil

Você havia dito anteriormente que tinha um projeto de morar fora. Dependendo de quem for eleito para presidente, você vai tonar esse projeto uma realidade?

“Não. Na verdade, minha ideia é proporcionar para os meus filhos um tipo de educação diferente da que eu tive. Pode dar certo ou errado, mas é algo que não tem no Brasil ainda. Não é um ensino formal”.

Quais os momentos mais marcantes dessa temporada de Amor & Sexo?

“Teve o programa cujo tema era família. Era para ser um programa OK, simples, carinhoso, e acabou se tornando grandioso por causa dessa coisa da família brasileira. Quem é que pode falar em nome da família brasileira senão ela própria? A gente está meio cansada desse povo falando em nome da família brasileira. Uma bobagem, e as pessoas ainda estão comprando essa história. Ali na verdade, eu não precisaria dar nenhuma entrevista porque tudo o que a gente acredita, e tudo pelo qual a gente luta está no programa. Na minha opinião, não está faltando nada. Está muito pensado da maneira como a gente queria passar. Tem programas mais leves, outros mais picantes realmente focados no sexo, e outros no amor, no comportamento amoroso. Não só exaltando, mas pisando nos calos do amor. Cada programa tem sua cereja e eles estão muito poderosos”.

Fernanda também é roteirista e produtora do Amor & Sexo

Como é para você estar à frente do Amor & Sexo, não só como apresentadora?

“É uma escolha. Se eu pudesse eu não faria o roteiro porque não sou roteirista, porque é o que me dá mais dor de cabeça. Estou ali porquê de alguma maneira sou eu que falo, estou com o microfone na mão e o discurso tem que ser compatível com o que eu penso e com a maneira como eu falo, como ajo em sociedade, como mãe, e como esposa. Nesse sentido acho muito bom estar fazendo parte do roteiro, mas é trabalhoso. Tive que aprender na marra, não é fácil”.

Criação dos filhos

Como é o seu diálogo com os seus filhos?

“Muito aberto, muito sincero, e muito direto. Não temos nenhum assunto que seja proibido em casa, pelo contrário. Estou de olho neles, para saber o que eles andam ouvindo por aí e como posso ajuda-los a esclarecer e desmistificar coisas. Tem sido muito bom. Eles têm vergonha quando escutam a palavra ‘sexo’. Pergunto ‘por que você está rindo? É tão normal’. Aquela coisa de criança, mas estamos sempre levando diálogo à mesa. Principalmente porque os homens são nosso maior foco de tentativa de mudança, de acabar de uma vez por todas com a violência contra a mulher. E as mulheres são muito responsáveis pela criação desses meninos.

Somos criadas numa sociedade patriarcal, e também temos muitos valores que ainda caminham do lado do machismo. Temos que estar atentas em como criamos os meninos, e meninas também, mas normalmente os meninos criamos de um jeito diferente. Os meus meninos vão cozinhar sim, vão costurar sim, usam rosa, e choram sim. Não tem esse papo de ‘engole o choro’. Jamais falei e jamais falarei. Estou sempre quebrando umas coisinhas”.

Assédio

Elas falam inglês e português?

“Eles falam inglês, português, francês e espanhol. Estamos trabalhando todas as línguas, eles estão fazendo aula. Eu sou uma pessoa do mundo. Saí de casa com 14 anos, morei fora, nunca mais voltei para Porto Alegre, continuo viajando. Sou apaixonada pela possibilidade de sair da minha cultura, olhar de longe ter parâmetro para poder me inspirar. Sou uma pessoa assim e de alguma maneira eles ficaram um pouco parecidos. Eles disseram que queriam poder falar várias línguas como eu falo, e eu disse ‘vamos lá’”.

Como é que você enxerga a questão do assédio?

“Eu acho que é difícil para qualquer mulher principalmente a minha geração que é uma geração já muito livre. Mas uma adolescente morando em São Paulo sozinha, como foi comigo, acho que todas as mulheres da minha idade, já sofreram algum tipo de assédio. Todas já passamos por situações das quais não gostaríamos de ter passado, nas quais tivemos que nos defender e nos proteger. E até hoje, quando vamos sair, se for de noite, vamos colocar a bolsa de um jeito, com medo porque o decote pode estar provocando alguém… vai demorar muito ainda, mas acredito que as meninas que estão nascendo hoje, vão se dar muito melhor que nós, eu espero. A gente aprende a se defender. Sempre corri atrás dos meus sonhos, mas sempre soube me preservar muito.

Conservadorismo gaúcho

Você que é gaúcha, acha que os gaúchos têm um comportamento de amor e sexo diferente do restante do país?

“Sim. Eu acho que sim. Nós gaúchos somos um pouco mais reprimidos sexualmente ainda porque viemos de um lugar muito frio, então a gente tenta se fechar muito. O inverno aqui no Rio, é diferente a maneira como as pessoas lidam com o corpo. Acho que no Sul, somos mais fechados e temos dificuldade em falar sobre esse tipo de assunto. Eu sou fruto de uma família de catalães, então não tenho como desvincular das minhas origens. Venho de origens muito duras, muito rígidas. Descobri que as mulheres da Catalunha ficavam trancadas com chave para não poderem pensar, escrever, não poderem ser. Tive avós e bisavós criadas assim, então a gente não consegue se desvincular disso imediatamente. Demoram décadas para mudar o comportamento”.

Pabllo Vittar

A Pabllo Vittar começou no Amor & Sexo. Como você enxerga o sucesso dela?

“Acho o máximo, incrível. Quando a gente conheceu a Pabllo ela era uma menina supertímida, chucra. Lembro bem quando a gente conversou a primeira vez, e foi um desespero porque o Léo Jaime tinha acabado de sair. Para a gente ele era insubstituível. Mandamos busca-la na casa dela, ela chegou no escritório, cantou. Estávamos certos de que era aquilo. Conversamos lá fora, e falei que a ideia não era dizer ‘temos uma cantora drag queen’.

A gente sempre tratou a Pabllo sem ficar levantando rótulos, e isso ajudou a protege-la. Tivemos uma conversa supersincera de um cuidado mesmo que acho que ela devia ter. Falei para ela ‘Paga tuas contas, não se endivida, não briga com ninguém, não compra briga, não aceita desaforo, não vai pegar homem, foca porque você tem um caminho bom e é muito talentosa’. Ver isso acontecer é muito bonito. Eu adoro a Pabllo. Além de acha-la talentosa, é uma pessoa muito querida e muito responsável”.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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