Olívia Araújo descreve Cesária de O Tempo Não Para: “Ela tem um entendimento da escravidão”

Publicado em 19/07/2018

Em 1886, a família Sabino Machado, moradora da cidade de São Paulo e proprietária de terras para exploração de ouro e minério, decide embarcar à Europa no mais seguro navio da época, o Albatroz. No entanto, ao desviar a rota para a Patagônia, a embarcação se choca com um iceberg, naufraga e todos os passageiros acabam congelando devido à baixa temperatura da água.

Passados exatos 132 anos, um imenso bloco de gelo surge na praia do Guarujá, em São Paulo, e a moderna população do ano 2018 acaba tendo contato com seres pitorescos do século XIX, que trazem na bagagem costumes e pensamentos típicos do império brasileiro. Assim será O Tempo Não Para, nova novela das 19h da Globo.

Para contar detalhes sobre a trama escrita por Mario Teixeira, a atriz Olívia Araújo bateu um papo com o Observatório da Televisão. Na história, ela viverá Cesária, escrava da família Sabino Machado e uma das treze congeladas após o acidente no mar. “Ela uma mulher vaidosa, usa muitas joias, tem um figurino bem composto”, adianta Olívia. Confira a entrevista:

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Como essa novela surgiu na sua vida?

É uma alegria saber que vou fazer parte desse elenco. Eu estava terminando Tempo de Amar, aí surgiu a oportunidade de fazer essa. Eu estou muito contente, animada e ansiosa.

Olívia Araújo esclarece tudo sobre Cesária

Tempo de Amar e O Tempo Não Para não duas novelas completamente diferentes. Como é isso para você?

É sempre uma experiência nova. Cada novela é uma história nova, um outro personagem. Então é tudo novo.

Quem é a Cesária?

A Cesária é ama de leite das filhas da família Sabino Machado. Ela coleciona as joias de crioula e, além de ama de leite, ela também era uma escrava de ganho, que era uma escrava que trabalhava fora, vendia coisas. E com isso, ela foi juntando dinheiro e mandando colecionar essas joias na esperança de comprar a alforria dela. Quando ela é congelada junto com a família, parte dessa joia estava com ela na roupa e a outra parte está dentro de um baú.

Você classificaria a Cesária como uma mulher moderna?

Na verdade, ela é uma figura bem tradicional. De um modo diferente da Dona Agustina (Rosi Campos), mas tradicional. Muito ligada as raízes, aos preceitos dela. Ela tem esse olhar de querer comprar a alforria porque já entende a importância disso com o dinheiro, porque alforria sem dinheiro não existia. Então ela tinha o entendimento de que precisava do dinheiro.

Eu classifico ela como uma mulher com muita identidade e autonomia. Eu não diria moderna porque ela é muito ligada as tradições. Ela acorda em 2018 com dificuldade de entender as novidades todas, mas querendo muito preservar essa identidade dela.

Novo visual

Como você está entendendo o mundo da criogenia, que é o estudo de baixas temperaturas?

Na verdade, eu sabia muito pouco sobre isso. A gente começou a entender um pouquinho atrás dos estudos de preparação da novela, onde a gente teve acesso a algumas coisas. Houve uma pesquisa bem extensa para poder embasar a história, para dar veracidade. Afinal, como a gente ia viver esses congelados sem estudo? Ia ficar uma coisa meio estranha. É um estudo sério. Assim como tem gente que quer viver em Marte, também tem gente que quer ser congelada. Isso é uma realidade. Só não sei quando será possível.

Você gostaria de ser congelada? Congelaria alguma pessoa?

Eu não gostaria de ser congelada e também não congelaria ninguém.

E como foi adotar esse novo visual com tranças?

Então, é a Cesária. A Cesária usa tranças. Ela uma mulher vaidosa, usa muitas joias, tem um figurino bem composto. Até porque ela conquistou esse cargo, não sei se essa é a palavra certa, dentro da casa pelo tempo que tem (de serviço) e tem até uma certa hierarquia dentro da família e dos escravos. Eu estou adorando, me divertindo. É a primeira vez que eu ponho tranças longas.

Choque de ser Cesária ao descobrir-se livre da escravidão em 2018

Como são os cuidados para manter as tranças?

A trança a gente tira e vai trocando. A manutenção é bem tranquila.

Como vai ser para a Cesária acordar com a situação da escravidão no ano de 2018?

Para a família e para os escravos vai ser um choque muito grande porque nesse cento e poucos anos de congelamento o mundo evoluiu. Só em pensar que não tinha vacina e uma série de coisas. Acordar livre é um choque. A Cesária estava se preparando para comprar a alforria dela e, de repente, falam que ela é livre. Ela não consegue entender isso tão rapidamente. Para ela é até quase uma ofensa porque ela se preparou para se dar a própria liberdade, não alguém dar essa liberdade para ela.

Após acordar, a Cesária vai perceber que suas joias estão perdidas no “novo mundo”. Como ela vai reagir ao ver outras pessoas usando suas preciosidades?

Eu acho que ela vai atrás das joias e das pessoas. Eu desconfio porque ela é uma mulher virada (riso).

Empoderamento feminino

Apesar de tradicionalista, a Cesária se mostra ser uma mulher empoderada ao juntar dinheiro para comprar a própria alforria. Como você ver o empoderamento feminino?

Colocando no aspecto da novela, o autor, sabiamente, traz vários paralelos sobre a liberdade da mulher, sobre a mulher do século XIX e essa mulher de 2018. O que tem de fato de conquista de trabalho, de conquista de relacionamento, de dizer o que gosta, como gosta, se chega ou não. E o que tem também de contraponto, do quanto a gente continua sendo exposta. Éramos superprotegidas no século XIX porque sempre tinha um homem a frente, mas a gente também era muito exposta a essa vontade masculina, ao o que eles queriam. E a gente também, de certa forma, continua hoje. Tantos casos de feminicídeo traduz isso.

A presença de tantas mulheres fortes na teledramaturgia mostra um pouco dessas conquistas femininas?

Eu acho que é sempre uma evolução, mas uma evolução que ainda precisa de muitas conquistas. Isso sem dúvidas! A gente dizer que ‘não’ ainda não é um ‘não’ claro. Senão não havia tanta violência contra a mulher, a gente não ganharia menos que os homens, a gente não teria a dificuldade de usar a roupa que quer dependendo de onde estar. Então são conquistas pouco a pouco. E toda conquista também de tempo tomado vai do entendido de nós mulheres: que lugar é esse que a gente? Que lugar é esse que a gente quer conquistar? Que respeito é esse?

Fim da escravidão

Você acredita realmente no fim da escravidão no Brasil?

Eu acho que a escravidão se perpetua de formas diferentes. A gente ainda tem esse trabalho escravo no mundo todo. E as próprias condições trabalhistas, dependendo dos países, perpetuam essa escravidão. Não é uma escravidão ligada a questão racial efetivamente, mas é uma escravidão de trabalho.

Raízes da personagem

Você falou que a sua personagem é muito ligada as raízes. Qual raiz ela vai buscar quando acordar?

Eu vou dizer o que ela traz porque, assim, a gente também dados para frente. Então eu vou dizer como eu leria ela. Primeiro, tem uma questão da ancestralidade religiosa grande e isso, inclusive, une ela e a Agustina. As duas são religiosas, cada uma ao seu modo. O próprio figurino dela traz todos os patuás, que são as joias de crioula, que traduzem isso também. A forma como ela se relaciona com os outros escravos também traz essa ancestralidade.

E na minha cabeça, que eu nem sei se isso tem para frente, ela tem um entendimento da escravidão e o que é isso, porque senão ela não confeccionaria essas joias. Ela não é acomodada na sua situação. Então esse desejo de liberdade também é uma forma dela de resistência, ao seu modo. Ela foi trabalhar, confeccionar essas joias, foi guardando pouco a pouco. O escravo de ganho não dava tudo que recebia. Para ela conquistar essa quantidade de joias com que chega em 2018 foram anos de trabalho e dedicação.

Riqueza

E ela acorda milionária, né?

Ela acorda sem saber que é milionária. Ela é inocente nesse sentido. A única coisa que ela sabe é que aquilo tem um valor, não o valor que tem hoje, mas o valor que tinha quando ela é congelada. Mas ela não sabe que é milionária, acho que ela vai ter entendimento disso depois.

Na caracterização, a Cesária tem dentes de ouro. Qual o motivo deles? Esses dentes são removíveis?

Faz parte da história dela ter joias. É uma forma de guardar dinheiro. É uma capinha e a gente tira. A gente tem vida, a gente anda na rua (risos).

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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