Ary Fontoura brinca com cadeira de rodas de Afrânio em Orgulho e Paixão: “É a minha cruz!”

Publicado em 19/07/2018

Em Orgulho e Paixão, Ary Fontoura interpreta Afrânio Cavalcante, um senhor rabugento que levou a família à falência após dívidas altíssimas lhe tirararam toda riqueza conquistada com a venda de café. Cheio de artimanhas, o respeitado Barão de Ouro Verde fez de tudo para evitar a queda do seu império, mas acabou tendo suas terras tomadas pela impiedosa Rainha do Café, Julieta – vivida por Gabriela Duarte.

Em um bate-papo com o Observatório da Televisão, o veterano ator da Rede Globo contou como está sendo prazeroso continuar no elenco da novela escrita por Marcos Bernstein. Inicialmente, Afrânio morreria na trama, mas a sua personalidade ranzinza com leves pitadas de humor fez a produção mudar de ideia.

Ary também comentou sobre a experiência de atuar usando uma cadeira de rodas, principal peça para a construção do personagem, e falou sobre a carreira: “Eu sou um ator já antigo da casa. Tenho 52 anos de Globo, praticamente”. Confira a entrevista na íntegra:

Como está sendo Orgulho e Paixão para você?

Desde que eu aceitei fazer o trabalho e tive contato com o roteiro, a sinopse, sabendo quais seriam os autores e tudo mais, eu acreditei na proposta. Eu conheço muito bem a obra da Jane Austen, não só através dos romances como também pela BCC. Praticamente todos os trabalhos dela foram realizados em séries feitas pela BCC. E quando eu vi que o trabalho seria dado de uma forma bem brasileira, colocando em mil novecentos e tantos, como nós estamos, e aproveitando os assuntos que são magníficos, sobretudo, o posicionamento da mulher na sociedade brasileira, achei muito legal. Eu falei: ‘isso aí vai ser um caldo gostoso e vai ser um sucesso’. E eu acertei, porque a novela é muito bem recebida. Tem um índice de audiência muito favorável para o horário que está. Crescendo cada vez mais.

Ary Fontoura é só elogios para os trabalhos de construção da novela

A fotografia da novela está bastante bonita. O que mais chama a sua atenção na produção?

Particularmente, acho também que a novela é muito bem cuidada. Tem uma cenografia excelente, muito bem pesquisada, com um figurino que a rigor não tem o que falar. É uma beleza. Tem assinaturas muito grandes nesse trabalho. Na verdade, somos nós que aparecemos, mas por trás tem muita gente boa trabalhando também. São os figurinistas, cenógrafos, os diretores da novela a quem eu rendo a maior homenagem porque fazem com muito carinho e prazer. Eles dirigem uma leva de atores maravilhosos, muitos jovens também e que estão, realmente, imbuídos no nosso trabalho que é muito importante e que é preciso estudar cada vez mais e se aprimorar. Eu fico muito feliz de estar envolvido nesse trabalho. Eu sou um ator já antigo da casa. Tenho 52 anos de Globo, praticamente. Eu fiz a primeira série aqui, que foi Rua da Matriz (1965) e depois caminhei por toda a programação da Globo. Então eu conheço muito bem, sobretudo, esse assunto que eu faço. Essa novela deve ser a número 50, talvez, que eu fiz. Só fazer também já te dá um certo gabarito para você prever.

Barao (Ary Fontoura) e Tenoria (Polly Marinho) de Orgulho e Paixao
Barão (Ary Fontoura) e Tenória (Polly Marinho) de Orgulho e Paixão (Divulgação/TV Globo)

O que faz Orgulho e Paixão ser um sucesso?

Eu não tenho nenhuma bola de cristal, mas tem determinados componentes da novela que não mudaram jamais. Uma infinidade de seguidores que hoje em dia não são só espectadores, são críticos por excelência. Em três ou quatro palavras já sabem quem é um bom ator, quem é boa atriz. Já sabem que o ator disse ‘eu te amo’ de uma maneira e que ela está errada. Discutem cenas, trabalham pelo o que gostam. Vem sempre uma crítica muito construtiva. Enfim, essas coisas todas que fazem parte do trabalho da gente, e que com o tempo acabam sendo realizadas em benefício, geralmente, dos espectadores.

O personagem de Ary Fontoura tomou outros rumos na história de Orgulho e Paixão e permaneceu na trama

O seu personagem não teria uma participação tão longa dentro da trama. O que mudou essa situação?

Quando eu fui convidado para fazer essa novela, pela sinopse sabia que o personagem teria uma duração efêmera. Lá pelo capítulo 40, 42 ele deveria morrer para ceder espaço para que a trama acontecesse de outra forma. Porque a menina que era neta dele (Ema – Agatha Moreira), sempre criada no luxo, no algodão, teria que conhecer a vida como ela realmente é. Acontece é que o rumo que eu imprimi ao personagem e a forma como o Fred [Mayrink – diretor artístico] e os autores também concordaram, era de um certo humor um pouco mais nivelado. Eles me deram uma certa liberdade, no sentido de construir um personagem quase teatral, e eu fui indo, fui indo, fui indo…

A gente que trabalha em novela nunca deve fechar o personagem definitivamente porque trabalhamos todo dia e toda semana recebemos blocos (de capítulos), uma história que está sendo criada. Os autores também vendo o trabalho da gente acabam aprimorando os personagens. Enfim, é um trabalho em conjunto. Como eu costumo trabalhar assim, eles compreenderam isso e começaram a preencher determinadas coisas que eu deixava em branco, começaram a me dar sugestões.

Como é o Afrânio Cavalcante, o Barão de Ouro Verde?

O Afrânio é um personagem ótimo de fazer. Ele é um senhor de 90 anos, está à beira da morte. É muito rude com as pessoas, profundamente tradicionalista. Ele é um Barão e, como tal, ele se coloca. Ele é muito prepotente. Ele tem todas as virtudes e as, vamos dizer assim, bondades e maldades que um ser humano poderia ter. O que mais um ator quer mais que isso? Você pode se esbaldar no trabalho. Quem ganha com isso é quem assiste, quem está sempre vendo. O personagem vai variando de acordo com a história, mas vai acrescentando a essa história dados que permaneceriam no anonimato.

Barao (Ary Fontoura) e Ema (Agatha Moreira) de Orgulho e Paixao
Barão (Ary Fontoura) e Ema (Agatha Moreira) de Orgulho e Paixão (Divulgação/TV Globo)

Você é uma pessoa muito ativa e para fazer o Afrânio precisou gravar as cenas sempre sentado. Como foi essa experiência?

A cadeira de rodas é um componente muito sério dentro do trabalho desde a primeira aparição dele quando, em São Paulo, recebe do médico a notícia de que seis meses seria o máximo que ele iria durar. Então, ele já vem com esse componente da morte e com o que seria preciso fazer em seis meses. Eu peguei o personagem assim. E a cadeira de rodas era realmente um artifício, como ainda é, de um indivíduo onde a locomoção não é aquela melhor que se gostaria de ter. Eu senti que toda vibração que o personagem poderia ter sempre esbarrava nessa impossibilidade de se levantar. Então eu disse que as minhas pernas estavam na cadeira, os meus braços estavam na cadeira, a minha locomoção. É um elemento a mais que veio agregado ao meu corpo.

Mas já acostumou em ter a cadeira de rodas como parceira de cena?

Hoje em dia, eu não convivo perfeitamente com a cadeira porque ela tem duas rodinhas de borracha que tornam os movimentos repetitivos. Cada vez que eu ando mais o tapete vai enrugando. É uma loucura! Então nós sempre brigamos, eu e esse tipo de cadeira de rodas. Eu vivo sempre reivindicando que a produção ache uma cadeira melhor para mim, mas eles estão com uma certa dificuldade porque a cadeira tem uma certa época, e me parece que foi a única que eles encontraram. É a minha cruz! Vou ter que carregar essa cadeira até o final quando, naturalmente, ele deverá se levantar.

O ator ainda fala sobre o retorno do público

O Afrânio Cavalcante está fazendo sucesso nas redes sociais. Como é para você ver esse retorno positivo?

Do público não tinha essa notícia, a não ser pessoalmente porque eu viajo muito, sempre estou indo para São Paulo. No aeroporto, as pessoas chegam e manifestam o quanto gostam do trabalho. De repente, o personagem continua porque ele é útil na trama, ele é útil a história, ele tem um humor. A novela tem determinados núcleos. Tem o núcleo da Grace Gianoukas (Petúlia) que é bem-humorado, com atores que têm a comédia e que estão sendo bem aproveitados. No meu núcleo, a comédia também cabe. A própria casa da Vera Holtz (Ofélia) com aquelas meninas é algo que tira a dramaticidade de lado e a comedicidade passa a ficar dentro do trabalho. Isso agrada demais o telespectador porque oferece a eles também uma oferta de diversão extra.

É o jeito rabugento do Afrânio que tem divertido o público, né?

Pois é! Graças a Deus eu tenho ouvido isso, e isso para mim é profundamente gratificante. Não é demagogia, sempre que posso eu manifesto o seguinte: eu sou o que sou em função do público que me vê. É muito fácil acreditar nisso que eu estou dizendo, por quê? Se você que é telespectador desliga a televisão, eu desapareço. Se você é espectador e não vai ao cinema me ver, eu também já não estou funcionando. Se você não vai ao teatro, então mais ainda. A profissão da gente quem faz é o público. O público te encaminha para o lugar que você tem. Além do mais, claro, o aprimoramento todo é seu, é você que não deve se contentar unicamente com isso. Ao contrário, você tem que sempre estar se renovando para que o público continue gostando de você, porque se eles te elegeram, eles merecem o melhor de você. Eu sempre digo isso para mim e para as pessoas que me conhecem.

Ary Fontoura relembra personagens antigos de sua carreira

O seu personagem Nonô, em Amor com Amor Se Paga (1984), também era bem ranzinza. Existe alguma semelhança entre ele e o Barão Afrânio?

O Nonô era um personagem já determinado. Fazer justiça a ele é fazer justiça ao Molière, porque o Seu Nonô foi uma adaptação de Ivani Ribeiro da peça O Avarento. Há 34 anos essa novela foi ao ar, às seis horas da tarde. Ela tinha uma atualidade, sim, era uma época de crise – também quando não é época de crise no Brasil? (risos). Mas essa era uma época de crise mais acentuada e a autora muito antenada com as coisas não perdeu essa oportunidade de criticar o que acontecia. Então, nós tínhamos a dieta da água que era três ou quatro dias, até a hora que a gente desmaiava. Tinha uma porção de coisas e tinha também a contribuição da gente. Existem várias maneiras de realizar um trabalho, tenha ele uma essência dramática ou comédia. Isso faz parte da trajetória de cada ator, do desprendimento que ele tem para com a profissão, do quanto que se doou, do quanto que estudou, do quanto que aprendeu, do quanto que não se contentou com o que fez.

Ao que você atribui o fato das pessoas sempre gostarem do personagem vilão?

Tem vários tipos de vilão. Eu me recordo que quando fiz uma novela chamada A Favorita, o Silveirinha era para ser uma vítima. Ele era um homem que a vida inteira encontrou aquelas duas (as protagonistas Donatela e Flora), transformou-as em atrizes. Elas foram gratas até um pedaço, cada uma pegou a sua vida e ele acabou ficando com uma, depois ele ficou brigando com a outra. Sempre na dependência das duas. Ele era de uma maldade incrível e absolutamente consciente. Ele era uma pessoa que negava e as pessoas não viam o que tinha por dentro da negativa dele porque ele sabia burlar sentimentos, sabia manobrar as pessoas com as coisas. Era um personagem muito rico.

Você guarda na memória uma cena específica dessa maldade do Silveirinha?

Eu lembro que teve uma cena memorável com a Claudia Raia (Donatela), onde ela ia na minha casa e destruída tudo que eu tinha e que, num momento de raiva, eu cuspia na cara dela. Nesse momento, as pessoas tiveram pena do Silveirinha e um ódio dela. Só que o Silveirinha era absolutamente culpado, tanto quanto ela. Na outra semana, quando ele foi jantar com a Flora (Patrícia Pillar) para tramar contra a outra, o público ficou com ódio dele, e um ódio duplo porque acreditou que ele era uma boa pessoa. A novela era assim. Eu trabalhava dentro desse aspecto junto com o autor e, até o último momento, ele permaneceu simpático para o público. Ele era uma pessoa que mataria com toda simplicidade e o público aceitaria.

**Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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