“Sempre é muito difícil”, afirma João Acaiabe sobre ser um ator negro na TV

Publicado em 16/05/2018

Aos 75 anos de idade e 46 de carreira, o ator João Acaiabe, retorna à TV Globo no horário nobre e será o Pai Didico em Segundo Sol, nova novela das 21h escrita por João Emanuel Carneiro. O ator que fez sucesso interpretando o Tio Barnabé na versão dos anos 2000 do Sítio do Picapau Amarelo, falou sobre sua carreira e sobre seu novo personagem, um pai de santo. João contou durante a festa de lançamento da trama, sobre sua preparação para viver um religioso, e discutiu a importância da tolerância para com as religiões alheias, além das dificuldades para os atores negros na televisão. Confira:

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Nos fale um pouco sobre a expectativa desse trabalho. O que está instigando você?

“Eu estou buscando bastante informação. Eu encontrei em São Paulo o pai de santo Francisco de Oxum e ele tem me orientado. Me passou algumas informações e me ensinou a jogar búzios, só não sei ler ainda. Tenho também um amigo sociólogo chamado Reginaldo, que conhece bastante a mitologia africana e uso a literatura que ele tem. Estou empenhado em fazer esse trabalho com o máximo de dignidade possível.

É uma religião muito bonita, né?

“É muito bonita, muito cativante, muito pulsante e a curiosidade foi o que me faz pensar sobre as pessoas respeitarem as religiões alheias. Quando não conversamos sobre um assunto, é sempre mais difícil. Os negros quando foram escravizados trouxeram os músculos e sua cultura, e desenvolveram isso com resistência embora o colonizador tenha tentado tirar isso deles. Eu quero conversar sobre isso no futuro.”

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De que forma o pai Didico vai ser mostrado? Dentro da novela vão ter personagens que não aceitam a religião?

“Por enquanto não sei sobre isso. Eu sei sobre ele estar ensinando, sobre ele estar tentando passar para a filha essa sua herança espiritual, porque ele percebe que a filha tem o dom, que ela tem uma missão e ele tenta passar o terreiro para ela.”

Qual a sua relação com a religião?

“Eu tenho religiosidade. Eu fiz alguns personagens no teatro, mais até do que em televisão, fiz o próprio Jesus Cristo, fiz padre, fiz um mentor espiritual, fiz um pastor e em cada um desses personagens que eu fiz, eu tive cuidado, porque eu tenho religiosidade.”

E você tira um pouco de cada uma, né?

“Sim e você estimula para as pessoas respeitarem a religião de cada um.”

Você já está com quantos anos de carreira?

“De carreira eu tenho 46, é muito tempo.”

Você já transitou por todas as emissoras não é?

“Sim, fiz o Sitio, fiz SBT, fiz Bandeirantes, fiz aqui na Globo e estou voltando. O último trabalho que fiz aqui foi Eterna Magia.

E como você vê essa sua trajetória na TV como um ator negro? Hoje a gente vê o Lázaro, a Tais, Milton Gonçalves… Você acredita que existem mais oportunidades?

“Sempre é muito difícil, mas eu acho que temos que insistir, porque o problema do negro não pode ser só do negro, tem que ser também dos brancos. O Luther King conseguiu o movimento dos direitos civis com todos os negros, mas com o apoio também dos brancos. O Mandela fez a mesma coisa e eu acredito que se a gente unir forças, a gente pode mudar muita coisa, viver num país com a igualdade e com oportunidades para todas as pessoas. A minha filha trabalha na Educafro, que é um grupo de pessoas que trabalham por envolvimento das pessoas negras, buscam trabalho, buscam escola, bolsas para os negros e as pessoas de escola pública, isso é um trabalho de formiguinha, mas que tem resultados, quando tem as reuniões aos domingos é muita gente e muita gente querendo estudar, querendo trabalhar, então eu acho que quanto mais conversar a respeito, melhor.”

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A Zezé Motta fez um post nas redes sociais em que comparou a foto da Raquel (Érika Januza) e do Bruno (Caio Paduan) de O Outro Lado do Paraíso, com ela e o Marcos Paulo em 1985, dizendo que ela sofreu naquela época com o preconceito. Ela também disse que esse preconceito ainda existe e é preciso lutar…

“Tem um documentário que chama A Negação do Brasil e a Zezé tem um depoimento que ela fala dessa relação que ela teve com o Marcos Paulo em cena e as pessoas tinham uma reação absurda. Temos que conversar a respeito, não se pode tapar o sol com a peneira.”

Por que você acha que as pessoas têm que assistir essa novela?

“Eu acho que tem muita coisa para discutir, sobretudo eu posso falar também sobre o personagem, conhecer melhor essa religião para você respeitar. Eu falei com o pai de santo e ele me disse que para o Africano existe o bem e o mal e eles não tem julgamento, o bem e o mal está dentro de você mesmo e é você quem solicita o bem ou solicita o mal. A coisa oriental é muito diferente do ocidental e é muito cíclico, tudo que aconteceu, volta a acontecer e o jogo de búzios vai te mostrando essas coisas.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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