Patrícia Pillar interpreta personagem que busca justiça em série: “Estamos vivendo essa situação em carne viva”

Publicado em 17/04/2018

Patrícia Pillar será Cássia em Onde Nascem os Fortes, nova supersérie da Globo que estreia no próximo dia 23. A mãe dos gêmeos Maria (Alice Wegmann) e Nonato (Marco Pigossi) voltará para a cidade de Sertão, lugar onde cresceu e jurou nunca mais colocar os pés, após o desaparecimento do filho. Atormentada, ela tenta descobrir o que aconteceu com o rapaz ao mesmo tempo que tem uma relação de amor e ódio com Ramiro (Fábio Assunção) e Pedro (Alexandre Nero). Em conversa com o Observatório da Televisão, ela contou sobre as gravações no sertão da Paraíba, a luta por justiça de sua personagem, e relembrou a vilã Flora, interpretada por ela em A Favorita, novela de 2008. Confira a entrevista completa abaixo:

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Você aparenta estar muito feliz com esse novo trabalho. Está emocionada?

“A gente gosta de falar de gente e quando consegue uma história bacana, que fala das emoções verdadeiras, é muito bom. Estamos vivendo uma era em que ninguém se reconhece, age como se o outro não importasse. E aqui a gente tem muitas histórias, muito ódio, muitos amores, mas muitos humanos também. Os personagens têm defeitos, sentimentos grandes… Para um artista, é um prazer enorme contar essas histórias, ter material, uma equipe boa, gente que ajuda, que é companheira e que puxa o artista para dar o máximo que ele tem.”

A Alice Wegmann disse que é muito inspirador trabalhar com você…

“Eu digo o mesmo para ela. Para mim, é lindo ver uma menina novinha tão centrada, responsável, que sabe o tamanho que tem a nossa profissão e a função de alimentar essa fantasia, esse lado bom do ser humano. É lindo ver uma menina nesse caminho.”

Como foi gravar no sertão?

“Foi fundamental, a gente não poderia apresentar esse trabalho se a gente não tivesse respirado esse ar, esse vento, conhecido as pessoas e os atores daqui, do Rio Grande do Norte, e de Pernambuco. Tudo isso faz parte. É visível tudo o que a gente está vivendo.”

O autor da obra está muito envolvido…

“Sim, ele é envolvido, parceiro. A gente fala muito mais do que está no texto, a gente faz um trabalho de muito coleguismo, participação. De alguma maneira, a gente passa a ser autor também. De alguma maneira, as palavras passam a ser nossas. Isso é lindo e deve ser bom, para ele, ter atores que gostam disso também.”

A Cássia passa por uma tragédia, tem um filho que desapareceu, tem medo que a outra também suma, mas, ainda assim, parece ter um envolvimento com o Pedro (Alexandre Nero) e o Ramiro (Fábio Assunção). Como é que esses homens entram na vida dela?

“O Ramiro (Fábio Assunção) é uma pessoa que parece ajudar na situação porque ela não conhece ninguém e foi desamparada numa situação de violência. Ele é a justiça, tem essa figura, e ela tem esperança de receber ajuda. O Pedro (Alexandre Nero) entra como um poderoso da cidade, o suspeito número um do desaparecimento do filho dela. Esses homens entram na vida dela dessa maneira, não é um romance qualquer. Eu acho que todos os personagens precisam de afeto e é isso que eles estão buscando.”

Nesse momento, em que se fala tanto de empoderamento feminino, como é trazer essa personagem para a TV?

“É um choque com o universo masculino e isso é bonito porque mostra as deficiências de cada um. A gente está reaprendendo, reinventando uma parceria entre homens e mulheres e é hora de rever muita coisa, revisitar conceitos velhos, visitar o ambiente masculino e revisitar o feminino. Eu acho que não passa por uma questão ou por outra propriamente, mas passa pelo universo feminino no Brasil. A gente não está aqui para defender uma posição, mas para mostrar como nossos personagens do Brasil são e eu acho, basicamente, que o momento é de dialogar, ouvir, refletir. Mais do que defender teses, a gente precisa se respeitar como seres humanos que necessitam de afeto. A vida, sozinha, não tem graça.”

Enquanto o Brasil clama por justiça depois do assassinato da Marielle Franco, sua personagem clama por justiça na série?

“A Cássia também clama por justiça. Não sei se ela vai encontrar, vamos ver. Estamos vivendo essa situação em carne viva.”

Você acha importante tocar nesse assunto?

“Eu quero coisas que fazem sentido e acrescentem. A gente está num período que a gente tem a oportunidade de olhar para dentro e parar de apontar o dedo para os outros, para a nossa solidão. Não é um papo careta, é um papo de humanidade. A gente tem mais em comum, com os outros, do que a gente pensa. O que me moveu a escolher essa profissão? Foi o interesse pelo outro. Isso preenche uma vida, muito mais que olhar para si. Olhar para si, para refletir, é bom, mas olhar para si querendo estar numa situação de superioridade, é vazio. Nada disso faz sentido. Vamos todos morrer e ir para debaixo da terra do mesmo jeito. A gente tem que lembrar dessas coisas. Parece que se a gente for lindo, rico e bem-sucedido, a vida está feita e não é bem assim. Os valores não são esses. O que importa não é isso. A gente está vivendo alguns enganos que podem ser revistos para trazer mais alegria.”

Você quis levar lembranças do nordeste?

“De vez em quando a gente tem tempo de comprar alguma coisinha. O (Alexandre) Nero comprou um presente para o filhinho dele, eu comprei para o meu sobrinho neto uma sandália de couro. Mas o que eu acho que fica são as sensações, as memórias. A gente tem que voltar a gostar disso, que é muito mais legal que as coisas.”

Na sua carreira, você sempre fez personagens intensos. Isso é um direcionamento de carreira seu ou a vida te levou para isso?

“Eu acho que a vida é curta. Com um trabalho que me dá a possibilidade de fazer personagens que podem me afetar, eu não vou escolher algo que não me transforme. Eu sempre pensei no meu desenvolvimento pessoal, por isso eu digo que é muita sorte ter recebido alguns convites. Eu não quero nada que não me diga nada. Eu quero mais, quero me desafiar, desenvolver, ser maior.”

A Flora, de ‘A Favorita’ (2009),  foi uma vilã marcante. Como é que você lidou com a reação das pessoas nas ruas?

“O que eu vivi com a Flora foi muito engraçado. Ela era uma perversa, malvada, doente, mas as pessoas olhavam para mim e riam antes de dizer qualquer coisa. Nunca senti ódio. Não sei se era surpreendente, mas eu só recebi carinho das pessoas.”

Já teve alguma reação que te emocionou nas ruas?

“Graças a Deus, muitas reações. Em geral, as pessoas chegam para falar comigo sobre os personagens. Aí é que você vê o quanto alguém foi tocado com a história. É para isso que a gente faz.”

Você acredita em destino?

“Eu acho que para personagens míticos e trágicos, o destino é fundamental. Para os trágicos, principalmente, o destino é fundamental.”

Você estava aqui (no sertão) no dia que choveu?

“Sim. É uma coisa que não tem palavras, uma terra em que não tem água… Tinha muitas crianças de 5, 6 anos, que nunca tinham visto a chuva. Tinha a filha de um rapaz que está atendendo a gente, que começou a gritar que estava caindo água do céu. É muito duro não ter água, gente. É muito indigno, a gente tem que ver essas coisas. A gente não pode viver só no nosso mundinho, com ar condicionado, enquanto o nosso irmão, do nordeste, está sem água. A gente não pode fechar os olhos para isso. Essa série serve para pessoas de outros lugares se informarem, verem como é a vida de outros brasileiros.”

Estamos vivendo um momento muito polarizado, de muito ódio. Você acha que a série pode tocar essas pessoas?

“Eu acho que tudo leva um tempo. Esse ódio, que eu nunca imaginei que existisse aqui, talvez precise de um tempo para se resolver. Eu espero que cada trabalho que a gente faça, tenha uma pequena colaboração na vida das pessoas, a ponto de fazê-las parar de olhar para si ou olhar para os outros com esses olhos de ‘dedo apontado’. As pessoas precisam olhar com ternura, compaixão, humanidade. Ninguém vive sozinho. Essas máquinas todas nos deram a ilusão de que podemos viver cercados dessas coisinhas, mas sem as pessoas isso não é nada. Eu sou apaixonada por gente, eu não vivo sem gente, eu admiro gente e espero que a gente se reencontre com o nosso interior.”

Você acha que quem nasce no interior é mais forte e por isso a série leva esse nome?

“Eu acho que todo mundo pode ser forte e a série vai falar um pouco disso. A coragem não tem a ver com a nossa agressividade. Eu torço para que a gente encontre a nossa força e ela não sirva para nos destruir, mas seja para nos unir e nos tornar seres humanos melhores. Nós temos um país muito desigual e essa desigualdade dói muito, principalmente na pele de quem tem menos chance, possibilidade, oportunidade. Não ter oportunidade igual, fere muito. Acho que esse momento que a gente está vivendo tem a ver com essa dor, que só será sanada quando todos tiverem oportunidades iguais.”

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano

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