Tony Ramos desabafa: “Se querem decretar o fim da novela, estou esperando desde 1972”

Publicado em 27/02/2018

Tony Ramos recebeu nossa reportagem nos estúdios Globo para conversar sobre a trajetória de José Augusto, seu personagem em Tempo de Amar, novela de Alcides Nogueira com direção de Jayme Monjardim, e que entra em sua reta final em março. O ator falou sobre os traços pouco maniqueístas do pai de Maria Vitória (Vitória Strada), seu reencontro em cena em Regina Duarte e revelou seu pensamento acerca do futuro da telenovela no Brasil e no mundo. Discreto sobre sua vida pessoal, ele relatou ser uma pessoas de hábitos simples. Confira a entrevista completa com o veterano:

Leia também: Prestes a sair do ar, Estrelas acerta formato e reage no Ibope

Conversamos com você no início de Tempo de Amar, e como está sendo para você essa reta final?

Esse é um trabalho que vem caminhando há algum tempo. Gosto de falar de datas porque as pessoas pensam que começou ontem, e vai terminar logo mais, mas para mim a novela começou lá atrás quando fui convidado pelo Jayme Monjardim (diretor). Eu ainda estava com Vade Retro no ar, e aceitei porque a história é linda, e tem parte do argumento central que é verídica. Havia uma série de atrativos para qualquer ator, e combinando com o grande escritor que é o Alcides Nogueira, com quem trabalhei em várias novelas. Poucos lembram, mas ele é um dos mais premiados autores teatrais. Era uma turma muito boa reunida, entre atores e diretores. O diretor, aquele cuida da imagem tem que ter uma visão muito clara de cada período que a história retrata e o Jayme tinha essa consciência, e eu nunca havia trabalhado com ele mesmo o conhecendo há 35 anos. O balanço foi o mais positivo possível para nossa novela. Se vocês jornalistas andassem anonimamente com os atores poderiam ver o que as pessoas falam sobre o bom gosto da novela, como nos abordam na rua, na fila do cinema, da beleza dos tratos de família, os erros de um chefe de família como é o caso do meu personagem e a chance que ele teve de se redimir ou não, pois ele é o homem conservador. Isso foi importante da formação do elenco, e fui eu quem levantou isso na primeira reunião, pois precisávamos esquecer que estávamos em 2017, e nos localizarmos em 1927, ano em que começa a história. Não podemos como atores ter um olhar meramente crítico por exemplo com o que minha personagem fez de mandar a filha para um convento, e doar a neta para adoção. Essa é uma grande agressividade nos tempos de hoje, mas naquela época era muito comum. Muitas meninas fingiam que estavam viajando, davam à luz um bebê, e o deixava na porta de um educandário ou convento, coisa comum dentro do próprio Rio de Janeiro. A novela tem elementos muito fortes que me deixam feliz e com o sentimento de missão cumprida.

O José Augusto passou por essas fases de se assemelhar a um vilão e acabou se redimindo de seus erros. Como foi para você essas cenas que ele pede perdão para a filha?

É interessante essa virada mas ao mesmo tempo o escritor já nos perguntava: “O que é um vilão de fato?”. Estamos muito acostumados com o vilão psicopata. Fiz um em A Regra do Jogo, pois só tinha amor para uma filha e um filho. Um homem que deve ter tido uma infância horrorosa ou nasceu com aquela índole ruim. O Zé Maria era assim, se mascarava para cuidar dos filhos, mas fazia coisas desesperadoras. Em Tempo de Amar, essa vilania aos olhos do público é algo como “Meu Deus, como tem coragem de fazer isso com a própria filha?”. Esse é o raciocínio de hoje. Muitas senhoras com quem conversei que têm 90 anos, e até minha mãe disseram: “Isso é triste, mas conheço pelo menos uns três casos como este no interior de São Paulo”. A gente tem que saber lidar com isso, por isso a virada da personagem, sendo o José Augusto um homem viajado que negocia com estrangeiros, aconteceu de forma que ele se deu conta da agressividade que cometeu, o que é muito bonito e mostra a contradição do próprio ser humano.

E tiveram cenas engraçadíssimas com a Regina Duarte que interpreta a Lucerne…

Ela não sabia que aquele português não era um “pato”. O reencontro com Regina dispensa qualquer comentário. Minha querida companheira, amiga, uma atriz que é um ícone da história da televisão brasileira. Nossa reunião foi um exercício de atores, houve até mesmo uma citação à Rainha da Sucata quando ela fala em Laurinha Figueiroa, e houve ali uma metalinguagem do Alcides Nogueira, que coautor de Rainha da Sucata junto com o Silvio de Abreu, então houve um jogo interessante entre nós. A história aconteceu da maneira que tinha que acontecer. Ela teve uma vida dolorosa, e foi muito bonito. Foi um reencontro de muito humor e tivemos tanta sintonia que não precisamos sequer repetir nenhuma cena. Todas foram feitas de primeira.

Seria interessante se os dois terminassem juntos, não é?

Olha, aí você teria que ligar para o Alcides Nogueira (risos).

O senhor praticamente faz parte da família do povo brasileiro. Mesmo agora na melhor idade, o senhor continua sendo um galã. Como lida com este rótulo?

Agora não sei se olho para você ou fico sem graça. Eu sou um senhor, a coisa que mais gosto na vida é de assumir a minha idade, porque nunca tive crise. Não tive aos 30, nem aos 40, 50, 60 e não vou ter aos 70. Sou muito grato a Deus, e respeito quem não acredita. Fui criado por uma mãe que era separada de meu pai, e imagine como era isso nos anos 60, era como um palavrão e ela foi forte e lidou muito bem com isso. Ela sempre me criou dizendo que a vida é libertária e os homens é que a tornam proibitiva. Cresci respeitando as mulheres, a vida, cada um de nós e respeitando o tempo dentro de nós. Nós vamos envelhecer e envelhecer é uma dádiva. Para quem acredita em um ser maior como eu isso é uma permissão maior. Eu adoro a novela O Outro Lado do Paraíso, e fico muito feliz ao olhar para Lima Duarte, Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, Ilva Niño, porque é uma benção estarmos em pé e trabalhando com a permissão de Deus. Quando Laura fez 90 anos, telefonei para ela e fiquei muito emocionado porque eu comecei junto com ela. Às vezes a gente se olha no espelho e não aparenta ter a idade que tem, não aparento ser um setentão mas sei que tenho e não vou negar essa passagem do tempo. O fato é que não complico para viver, sou muito naturalista para comer, isto é, como naturalmente tudo. Vou vivendo na paz de Deus, faço meus exercícios, não por vaidade. Se tenho bons tônus muscular é que quero ter boa saúde. Minha vida é muito simples mesmo que a profissão exale um certo glamour, mas para mim nunca houve nenhum glamour. Glamour para mim é entrar no meu carro e voltar para a casa, ouvindo a CBN na hora do esporte, batendo papo comigo mesmo, chamo minha esposa para jantar junto comigo. Claro que quem deve estar lendo, vai pensar “Ah ta que é assim”. Não é assim, para ficar assim leva-se um tempo, um exercício de toda uma vida. Não podemos parar de nos exercitar intelectualmente, humanisticamente e politicamente.

Comentamos entre os jornalistas que sua vida é uma vida limpa, tanto pessoal e profissional, sem escândalos, nem nada. Como o senhor conseguiu se manter assim sem ninguém invadir sua privacidade?

Você observou bem, realmente ninguém invade, mas isso é fruto de um acordo tácito entre a imprensa e eu. Nunca me furtei a nenhuma pergunta, mesmo em momentos mais difíceis. Sou rápido, e nunca compliquei essa relação, mas também nunca facultei publicamente o meu cotidiano a ninguém. Eu saio com minha mulher, com meus netos, os fotógrafos que ficam de plantão na rua já me fotografaram inúmeras vezes com filhos, netos, com minha mãe, com minha companheira, e minha vida continua sendo normal fora de casa. Dentro de casa, ela não está aberta à visitação pública. Como não tenho rede social, e falo isso com muito cuidado para não ofender a quem tenha, nem estou dizendo que estão errados aqueles que têm, mas esse não é o meu perfil. Eu viajo muito com minha mulher, em lugares que as pessoas nunca pensaram em ir, e fotografamos tudo, mas para nós dois. Não coloco na rede.

O senhor disse uma vez “Não abro mão da minha vida particular, o resto é perfumaria”…

(Risos) Isso parece meio agressivo, mas não foi a intenção. Realmente não abro mão da minha vida privada, porque ela não tem nada rocambolesco, é apenas a vida de um homem que ama sua companheira. Difícil é poder dizer “Eu te amo”, porque temos que saber dizer com o peso que isso encerra. Quando eu digo a ela isso, ela sabe bem o que quer dizer. Essa é minha vida pessoal, o resto é perfumaria. Com “perfumaria” quero dizer que é um pouquinho aqui, um pouquinho ali, historinhas, e isso não me leva a nada. Só me interesso ao meu cotidiano, que é o que me traz para o trabalho. E no trabalho já fiz várias coisas que remetem ao pessoal, já fiz cenas de nu, cenas de beijo, cenas de cama, e o que é isso? Trabalho. Claro que um ator está sujeito a se apaixonar por uma colega, assim como um jornalista está sujeito a se apaixonar por uma colega no seu ambiente de trabalho. Não sejamos maniqueístas e corporativos. Minha mãe casou-se 3 vezes, e o filho casou uma vez só. Meus colegas que se casaram 10, e querem casar mais vezes, eu digo “Case-se, busque essa alegria”. Temos que buscar essa felicidade, sejam as pessoas homo, hétero, mas precisamos buscar. Ninguém é feliz 100%, mas se você não encontra um denominador comum, fica difícil ser feliz ouvindo as notícias que ouvimos atualmente. Eu sou muito feliz com a minha mulher, mas muito mesmo, e isso é fruto do exercício do afeto, do amor e respeito que tenho por ela. Eu não sou um ator em monólogo com a vida, sou um ator em diálogo com a vida, e tenho uma companheira com um amor e um humor corrosivo. O humor da Lidiane é um serrote de preciso e forte, e só nossos íntimos sabem do nosso cotidiano, dos nossos 48 anos de casado.

Hoje em 2018, o senhor se considera um homem moderno ou um homem conservador?

Eu sou um homem absolutamente do seu tempo. O que quer dizer isso? Eu era um jovenzinho nos anos 60, querendo amadurecer nos anos 70, já maduro nos anos 80, maduríssimo nos anos 90, inteiro e pronto para a velhice nos anos 2000, mas sempre atentando para o que é a vida. Nunca criticando de primeira aquilo que eu via. Hoje sou conservador em várias coisas, e não tenho medo de dizer isso. As pessoas entraram numa viagem, como se diz hoje numa “vibe”, eu prefiro a palavra “vibração” porque nossa língua é muito mais bonita que a língua inglesa, mas as pessoas entraram nisso querendo achar o que é o moderno, e há muito dito moderninho por aí que é conservador em outros aspectos. Sou conservador por não falar palavrão em público por exemplo, mas não deixo de ser autêntico por isso. Temos que tomar certos cuidados pois a TV é uma concessão pública. A minha mãe está assistindo e tem um pensamento, a senhora do apartamento ao lado tem outro, e se não nos atentarmos para isso estaremos violentando com a individualidade de cada um. Os palavrões, conheço todos, e adoro falar, sei cada um cabeludíssimo, mas sei quando e em que lugar falar. Posso ser conservador nesse sentido, na minha relação de afeto com minha esposa também por não nos expor, mas sou absolutamente moderno, franco, livre, e com carinho com os novos avanços da transgenia, relações humanas que o homossexual tem e precisa se afirmar. Quantos homossexuais existiam na década, de 50, 40 e eram sofridos, espoliados e muitos morriam infelizes por não se assumirem? Se é para falar dessa modernidade, estou muito identificado com ela. Não sou de me exibir de beijos e abraços em lugares públicos, posso dar uma bitoca na minha mulher, mas não beijos cinematográficos no meio da rua, e isso serve para qualquer gênero sexual. Somos índios, somos tribais, e tribo temos que entender e respeitar cada um. Na sua privacidade é diferente, mas publicamente não temos obrigação de ter a chamada “melancólica” autenticidade.

Vou te fazer uma pergunta que o Abujamra sempre fazia no programa dele. Como está o Brasil de Tony Ramos?

Está triste, enfermo, desesperado por uma segurança maior, emprego, educação. Sempre vou voltar ao assunto educação. Um país sem educação não pode se chamar de nação. Mas é que sempre sonhei com a educação, 7:30 da manhã criança na escola, alguém buscando ou condução pública às 4 da tarde, com essa criança tendo seu tempo preenchido, música, teatro, trabalhos manuais, e 1 hora por dia para repor a matéria. A criança sairia plena da escola. Esse é um pequeno sonho que tenho. Será que vou ver isso um dia? Não sei. Mas meu Brasil é triste, porém esperançoso. Sou um incorrigível otimista. Você nunca me verá em palanques políticos. “Por quê? Está em cima do muro?”. Às vezes estar em cima do muro é melhor para observar para qual caminho não ir ou para que lado ir. Na verdade, estou muito decepcionado com esquerda, direita, com tudo. Quero um país que se renove, e reflita sobre ele mesmo, mas isso cabe a nós, e não só aos políticos. Tenho muita confiança nesses novos juízes que estão botando o Brasil a limpo, e tenho muita esperança em gente que faça uma limpeza e que façamos essa autocritica. Eu não abro mão do meu otimismo. Sou brasileiro, não tenho casa fora, é aqui que vivo, é aqui que meus netos estão vivendo, aqui que trabalho. Já pensei em ir morar fora, mas da boca para fora, a sério nunca pensei.

O senhor teve vários reencontros em cena com atores com quem já tinha atuado, e também com novos atores. Como tem sido trabalhar com essa nova geração?

Uma geração muito boa por sinal. Olhe a Vitória Strada gente, ela não veio para brincar, ela veio para ficar. A Olívia Torres, fez cenas essa semana que me comovi muito. O Bruno Ferrari com quem não trabalhei anteriormente, é um belíssimo ator, consciente e inteiro. O Bruno Cabrerizo, que tem uma história de 14 anos na Europa, e ontem encerrou o capítulo com aquele olhão enfrentando o Ferrari. É uma turma jovem de primeira. Todas as meninas, a gente encontrou uma turma primorosa.

Como é sua relação com essa turma jovem?

Perfeita. Bato papo com todos os atores jovens, mas nunca com o tom professoral. Às vezes a pessoa tem uma dificuldade cênica naquele momento e me pede opinião, aí aconselho, mas só isso. É uma turma valorosa. Sabe qual o problema tivemos nessa novela? Nenhum.  É incrível. Minhas cenas com Letícia Sabatella foram comoventes, e vou gravar uma hoje brava, muito bonita. Sinto muita alegria.

O Canal Viva está reprisando Bebê a Bordo. Você chegou a assistir?

Claro que vi. Como já tenho ela toda gravada, às vezes dou uma olhada. Cheguei a passar para os meus netos e eles morreram de rir, porque a novela é um cult.

Quando veio o Netflix para cá, muita gente disse que a nossa telenovela iria acabar, mas ontem vimos O Outro Lado do Paraíso chegando a quase 50 pontos de audiência. Como o senhor vê isso?

Eu não vejo como nada, eu deixo falar. O Outro Lado do Paraíso está com média 43. Desde a década de 1970 as pessoas estão anunciando o fim da telenovela, e olha que nem nos Estados Unidos, a telenovela acabou. O TV Guide é a maior bíblia da TV americana. Entre lá no horário das novelas, não é o horário prime time, é um horário mais cedo. Existem novelas lá que estão há 20 anos no ar, como General Hospital, Days Of Our Lives, e lá também tem Netflix e outros vários serviços, e mesmo assim a telenovela continua. Tendo uma boa história, não há quem não veja. O que vai melhorar com os novos serviços de streaming ou de pré-gravações como o TiVo, é a possibilidade de ver a hora que quiser. Sabe porque a TV aberta nos Estados Unidos é sucesso até hoje? Porque ela é democrática, e você não paga. Quando dá 6 da tarde, todo mundo coloca no CBS Evening News, que é o Jornal Nacional deles. O mercado vai se regulando às mudanças. Vai mudar o jeito de ver novela, a duração, mas ela não acabará. Vem aí Onde Nascem os Fortes, uma supersérie com direção do José Villamarin, e conversei com ele e sei que vai vir algo brilhante de 60 capítulos. O que regula é roteiro, porque quando você entra na Netflix tem muita coisa ruim também. Tem coisas maravilhosas, e tem coisas muito ruins. Se querem decretar o fim da novela, estou esperando desde 1972.

* Entrevista feita pelo jornalista André Romano

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade