Juliane Araújo, a Maíra, de O Outro Lado do Paraíso, fala sobre meninas do bordel: “Elas são mulheres muito reais”

Publicado em 28/02/2018

Fazendo sucesso como a Maíra, de O Outro Lado do Paraíso, na Globo, Juliane Araújo elogiou a narrativa da novela e apontou o dinamismo da trama como um dos motivos para o sucesso. Na história, ela faz uma prostituta no bordel, uma personagem que poderia ser polêmica, mas acaba sendo tão natural por conta do caminho escolhido para compor o papel.

Em entrevista ao Observatório da Televisão, Araújo revelou que, ainda durante o processo de montagem de Maíra, ficou decidido que tanto ela, quanto as colegas dela no bordel assumiriam um postura sem o glamour exacerbado. Ainda durante a entrevista, a atriz revela como foi visitar casas de prostituição no Rio de Janeiro, como parte da preparação para a novela.

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Como está sendo atuar dentro desse universo do bordel?

É maravilhoso. O Walcyr tem a capacidade absurda fazer grandes sucessos e quando o público chega para falar comigo é sempre: “a novela está acabando?”. Porque é sempre surpreendente, é um capítulo atrás do outro que parece fim de novela. Mas aí eu falo: “não, a gente fica até maio”. O bordel é uma surpresa maravilhosa, a gente trabalha com grandes atrizes. Trabalhar com mulheres é uma coisa muito especial, a gente se abraça muito, ainda mais quando a gente tem a questão da representatividade que é falar de prostituição, que é complicado. A gente tenta o tempo todo tirar o peso e humanizar, colocar essas mulheres de uma maneira muito próximas umas das outras porque na realidade é assim. Quando a gente fez a pesquisa de campo, nosso laboratório, os lugares que a gente frequentou tinham uma coisa muito de: “aqui dentro a gente se defende”. Uma coisa de irmandade que a gente de fora não imagina tanto. Eu acho que isso foi uma das grandes coisas que eu peguei no tempo de laboratório nas casas que eu frequentei para ter um entendimento sobre esse espaço que é uma grande responsabilidade. A gente sempre tenta em qualquer cena imprimir esse lugar mais humano. Está sendo incrível participar disso.

Você citou que está trabalhando com grandes atrizes. Como está sendo contracenar com a Laura Cardoso?

Tem pessoas que atingem o nosso lugar mais emocional. Eu sou bem tranquila e seca, encontro grandes atores e atrizes aqui dentro da casa (Rede Globo), nos trabalhos que fiz, mas a Laura realmente me acessa um lugar bizarro. A primeira vez que eu encontrei com a Laura, na verdade ela nem sabe disso porque nunca falei, eu tive crises e crises, nas três primeiras vezes que a encontrei. Tem Fernanda Nizzato (Vanessa), a Mayana Neiva (Leandra) que estavam comigo e eu assim: “meu Deus, meu Deus! Eu não estou acreditando nisso”. A Laura é minha musa inspiradora, maravilhosa, eu acho ela genial. Trabalhar e fazer cena com a Laura é realmente um presente, ela tem uns tempos e dá tanto valor para o que faz, isso é muito bonito. Eu vi uma cena da Laura com a Fernanda (Montenegro), que é outra maravilhosa, e do Lima (Duarte), que eu tenho paixão, e que fiquei olhando, repetindo para tentar estudar, é um conteúdo de estudo. Eles são geniais! É um presente fazer essa novela. A Glória (Pires), meu Deus, é a pessoa mais humana que eu conheço, generosa. Todas nós demos muito certo, nosso núcleo é muito amigo, generoso, parceiro e que troca muito.

Como fica o romance da Maíra com o Xodó (Anderson Tomazini) agora que ele está encantando pela Cleo (Giovana Cordeiro)?

Eu gosto muito da Maíra porque, eu acho, que o Xodó acessou mais o lugar do ego do que da paixão, tipo: “como assim ele não me quer mais?”. Ela é muito profissional, muito: “eu quero ganhar dinheiro. Estou aqui porque tenho que estar aqui. Minha família me ensinou a trabalhar com isso”. Ela é uma pessoa bem distante, no bordel eu acho também que ela é a pessoa mais gente boa. Ela faz todo um intermédio, faz todo um meio de campo, meio que solucionando problemas. Tanto que a Leandra coloca algumas responsabilidades na mão dela. Agora, o lado amoroso de Maíra eu não sei, podemos acreditar que virão coisas assim… Vamos ver o que ela vai arrumar. Será que ela vai se apaixonar mesmo? Ou será que ela vai entrar na brincadeira que fazia com o Xodó? Ela é muito brincalhona.

Mas você não pode revelar nada sobre o futuro da sua personagem?

Eu não posso revelar nada. Eu tenho um medo danado. Depois o Walcyr me manda matar com uma tesourada maravilhosa (riso). Realmente, eu não posso falar nada, mas eu acho que vai ser bem legal.

Durante o laboratório você visitou alguma casa de prostituição mais popular? Conta mais um pouquinho sobre esse período.

Fomos em grupo. Fui eu, Fernanda Nizzato e Malu Rodrigues (Karina), e a gente frequentou algumas casas em Copacabana. As meninas vieram para a Barra, frequentei uma casa aqui na Barra também perto do Pepê. Assim, no primeiro momento eu imaginava uma outra coisa. Eu cheguei lá e fui surpreendida com o espaço de total tranquilidade, eu não esperava isso. Eu esperava um furdunço total, gente dançando, gente pelada, mas foi bem tranquilo. Uma casa de show que eu sentei, bebi, comi e conversei com as meninas. As meninas (as atrizes) foram numa anterior, que eu não fui, e elas disseram que não se apresentaram, ficaram lá para olhar. Como eu falei, tem uma cumplicidade muito grande entre elas, quase que: “pera aí, eu posso xingar você, mas gente de fora não pode. A gente se defende aqui dentro”. São histórias grandiosas, histórias que eu não conseguia imaginar. Eu demorei dois dias para absorver depois da primeira vez, na segunda eu fui mais tranquila. Na primeira vez, eu fiquei um pouco mexida demais. Tem meninas que vieram muito do interior para fazer faculdade, daí não deu como pagar, falam que vão se formar de qualquer jeito, vão trabalhar, às vezes, tem uma carga horário muito grande, então, só dá para trabalhar à noite, mas não conseguem trabalho à noite e vão (para prostituição). Tem meninas que gostam para caramba, meninas que têm muitos filhos e o pai não ajuda. Tem umas histórias muito f*** de ouvir e a gente não traz essas histórias. O bordel participa de um lado muito de respiro da novela porque estamos abordando temas muito polêmicos, e é bom esse respiro, mostrar um lado bacana dessas mulheres que brincam, fazem as coisas delas, que são divertidas.

Nas conversas com as meninas das casas noturnas, teve algum momento de maior cumplicidade e desabafo? Os problemas familiares são reais?

Com certeza. A família é um lugar de acesso emocional. Somos atrizes também, a gente se deixa transbordar e entramos nas histórias. Eu entro em qualquer lugar, se alguém me contar uma história, eu começo a participar dela. Então, para a gente acessar esse lugar, até para ter um entendimento sobre o porquê de elas terem procurado isso, a gente conta as nossas histórias, nossas histórias de lutas que todo mundo tem. Então, a família é um acesso principal, os filhos na verdade. Quem tinha filho era mais surreal, era aonde mais atingia. Tinha uma menina que morava na Baixada Fluminense e ela me mostrou a foto dos dois filhos, um deles tinha 6-7 meses e ela saia toda noite, e o filho ficava com a avó. Então, eu sei que é do mesmo jeito que uma mãe sai para trabalhar em uma loja, num consultório, seja lá qual for a profissional, ou que vem trabalhar na Rede Globo. A gente tem algumas atrizes que são mães e é do mesmo jeito: o sofrimento de você saber que está deixando uma criança, um bebê. Ainda mais para uma profissão que algumas encaram como de vida, de profissão mesmo, e outras encaram como a possibilidade que tem de se formar ou como passar pela fase que está.

Algumas têm o mundo de “Uma Linda Mulher” na cabeça? Pensam que, assim como a Julia Roberts, vão conseguir encontrar um cara rico e sair dessa vida?

Eu acho que é falar por muitas pessoas e aí eu não consigo, mas eu acho é que elas são mulheres muito reais. Uma deve sonhar, outra não, mas com suas dores e suas alegrias. São mulheres que não têm estereótipos de putas, não têm o estereótipo da mulher que fala o tempo todo seduzindo. Pelo amor de Deus, isso não existe. Eu acho que a gente tem que fazer o que quer, hoje em dia a gente tem muita liberdade. Se você não está ferindo o espaço do outro, você pode fazer o que quiser.

E como você passou a enxergar essa profissão depois do laboratório?

Eu acho que há um crescimento da formalização da profissão, e eu acho que tem que ter mesmo porque é muito difícil. Uma menina me disse: “essa daqui é leve, mas se você for em tal casa você vai ver como é”. Eu acho que tudo que é proibido não tem fiscalização, então, as pessoas são escravizadas, são abusadas, e a gente não quer que isso aconteça. Seja lá qual for o tipo de profissão escolhida, eu acho que tudo tem que ser formalizado.

Você carregou algo que viu durante a preparação para a sua vida pessoal? Você falou muito do companheirismo entre as meninas.

Completamente. Eu acho que a mulher, ainda mais nos dias de hoje, tem o dever de visitar os próprios pensamentos, o tempo inteiro. É tão cultural a questão de falar que as mulheres se detestam e se odeiam que você, às vezes, você pode acabar passando isso para frente e não é uma realidade, essa não é mais a verdade. Nosso produto, nosso grupo, nosso núcleo é exemplo disso: somos todas mulheres que trabalham todos os dias juntas, às vezes, 12 horas por dia no mesmo camarim e está bem legal. Conseguimos fazer encontros bons, leituras de textos e sempre procurando trazer essa nossa realidade, a realidade que a gente visitou nesses lugares para dentro da trama.

O elenco do bordel na novela usa roupas bem ousadas. Como você está cuidando do corpo?

Na verdade, a gente tem um diretor maravilhoso que falou que queria mulheres reais. Quando ele falou isso a gente se abraçou, chorou e partimos para tomar um milk-shake (riso). Eu acho isso maravilhoso. Na vida, acho que já falei isso em outras entrevistas, eu não sou nada noiada. Eu faço as minhas coisas porque quero fazer mesmo, vou para a academia porque quero ir, mas eu como muito. Sou filha de nordestino, meu pai é nordestino, então lá em casa sempre foi muita comida, sempre gostei de comer tranquilamente. E eu acho tão importante a gente trazer isso, são mulheres reais de Tocantins, mulheres que vieram de vários lugares. Essas mulheres trabalham muito e elas comem. Tem até uma cena em que o nosso diretor Henrique colocou a gente malhando com sacos de arroz. Elas se cuidam, mas elas comem, elas precisam se alimentar. Quem vai aguentar uma noite inteira acordada trabalhando sem comer? Então, assim, para mim, eu acho que a minha personagem come bastante. Eu aproveitei com esse lado meio que não tão noiado e estou continuando com as mesmas coisas que fazia antes. Tem personagem que pede que a gente corra atrás um pouquinho, mas eu acho que a Maíra não me exige isso. Eu estou vivendo normalmente: indo para academia, fazendo ioga, fazendo minhas caminhadas, mas sem grandes preocupações. É bom aparecer minhas celulites, minhas gordurinhas, tem que aparecer mesmo porque são mulheres reais.

Para descontrair: o que você acha que faz gostoso?

Que pergunta é essa? Isso vai para qual horário? (risos). Olha, vou ficar na cozinha mesmo! Meu bolo de batata é uma delícia, meu feijãozinho (risos).

Você falou que cada capítulo da novela parece ser o último porque são muitas revelações e emoções. E o público está perto de descobrir que o grande vilão da trama é o Renato (Rafael Cardoso). O que você está achando dessa reviravolta?

Eu acho maravilhosa as tramas que mudam o tempo todo. As pessoas são múltiplas e essa coisa do antagonista e do protagonista ficou um pouco no passado. A gente tem grandes referências de séries americanas que a cada capítulo não sabemos o que vai acontecer. E é mais ou menos isso com o Walcyr, ele tem esse poder da coisa inédita, da coisa diferente, da coisa que você não está acreditando no que está vendo. Eu me coloco sempre à disposição, quase que: “eu não coloco a mão no fogo por mim”. Porque eu não sei, cada situação é uma situação. A gente reage a influências externas. É maravilhoso esses personagens serem tão reais e múltiplos. É maravilhoso sempre ter essas mudanças de trama, prendem muito.

Então, você não ficou completamente surpresa?

Eu, que estou dentro da trama, sempre espero tudo.

*Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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