“Fazer uma drag queen é uma performance política”, afirma Guilherme Weber, de Pega Pega

Publicado em 08/01/2018

A carreira de Guilherme Weber na TV é marcada por trabalhos pontuais e sempre elogiados pela crítica.  Em Da Cor do Pecado, 2004, o artista ficou ainda mais conhecido do grande público por conta do vilão Tony.

Ainda na Globo esteve em Andando nas Nuvens, 2001, Belíssima, 2005, Tempos Modernos e Passione, 2010, além da série Queridos Amigos, 2008, entre outros. Já no GNT marcou presença em Lúcia McCartney e na HBO em O Negócio. 

No teatro são mais de vinte espetáculos, no cinema acaba de dirigir o longa Deserto que lhe rende elogios e o prêmios de melhor diretor no Los Angeles Brazilian Film Festival no ano passado.

Atualmente, Guilherme pode ser visto na trama das 19h, Pega Pega, com o gerente linha dura do hotel, Douglas, que nas horas vagas administra também uma boate gay, a Strass, onde também dá vida à Brigitta, uma drag queen.

A trama de Claudia Souto tem ganhado elogios por conta de seu ativismo em relação à comunidade LGBT. Pega Pega além de mostrar personagens gays, tem dado a eles mais humanização em seus conflitos pessoais e profissionais.

Vale ressaltar que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais. Em 2016 foram 127 casos. Segundo o Grupo Gay da Bahia a expectativa de vida é de até 35 anos, a média nacional é de 75 anos. Até setembro de 2017 já foram registradas 277 mortes.

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O personagem de Weber, que no decorrer da novela descobre que é pai de um menino, fruto de um encontro casual com uma bailarina, vai ganhar, como especulam, um final feliz ao lado do delegado que investiga o roubo que movimenta toda a história central.

Em entrevista ao Observatório da Televisão, Guilherme fala da importância da trama para a discussão de direitos humanos em um horário nobre na TV aberta, além da repercussão junto ao público e crítica.

“É importante iluminar para o telespectador outros aspectos do cotidiano dos personagens que carregam estigmas ou papéis políticos de resistência como estes. Entendo que fazer drag é também, e essencialmente, uma performance política”, defende Guilherme.

Pega Pega além de ter muito humor e uma trama de suspense apostou muito na diversidade. Até aqui eu não vi criticas ou ameaças de boicote por conta das personagens, entre elas, Rúbia, Rouge ou a Brigitta. Como analisa esse contexto? O quanto Pega Pega contribuiu para a discussão do tema e o quanto a trama agregou à sua carreira? 

A telenovela é uma mistura de folhetim com crônica. Esta é sua origem e verdadeira vocação. Então é necessário que ela retrate a sociedade em que está inserida, a comente e de alguma forma a ajude a se modificar. Especificamente a telenovela do horário das dezenove tem suas próprias regras de gênero, sendo o humor e a leveza no tratamento dos personagens e temas chaves fundamentais do gênero do horário e acredito que eles ajudem o telespectador a entender e a aceitar alguns personagens. Estes personagens eram profundamente humanos e situados em contexto humanista. Era o núcleo de apoio e transformação da protagonista Luiza, vivida pela Camila Queiroz. Nas discussões iniciais que a emissora normalmente tem com o público, para entender como a novela está sendo vista, o Douglas, meu personagem, era um dos favoritos. Todos queriam ter um amigo como ele. Mas todos estes personagens foram apresentados de maneira doce e lúdica. Aos poucos seus dramas foram aparecendo, seus amores, fragilidades, temores. A Claudia foi muito delicada em todas as abordagens e acho que isto ajuda sim na maneira que o espectador enxerga o tema e o ajuda a se abrir e a aceitar discussões mais profundas como identidade de gênero, adoção por casais homossexuais, etc…

Efetivamente também a novela, a autora e a emissora se posicionaram abertamente em defesa do apoio à parada gay do Rio de Janeiro, que teve apoio da prefeitura cancelado. Uma cena divulgando o financiamento coletivo da parada foi ao ar, o que mostra posicionamento e abertura sobre o tema.

Quanto à minha carreira, a trama e o personagem inserido nela foram muito marcantes. Foi um personagem que pedia muitas nuances. Era um gay doce e esnobe ao mesmo tempo, maternal e aristocrata, e que unia dois mundos muito interessantes de Copacabana, bairro mais democrático do país e representação em microcosmo do mesmo. Gerente de um hotel cinco estrelas tradicional e sócio de uma boate gay, inferninho do bairro. Ele carregava a si estas contradições e possibilidade de convivência.

Como foi o processo de caracterização da Brigitta? Gostou da experiência? E as travestis/drags como reagiram?

Uma das coisas mais fascinantes do ofício do ator é nos colocar em aventuras, situações inéditas e também, através delas, aprimorar nossas alteridades, nosso senso de empatia. A Brigitta carregava uma aura mítica, de uma drag histórica de Copacabana. Entendo que fazer drag é também, e essencialmente, uma performance política, então sugeri manter a barba para fazer a Brigita como símbolo do pensamento de vanguarda, uma barba colorida e cheia de glitter, símbolo que questiona a construção social do modelo feminino tradicional, revelando gêneros sem restrições. Acho que construímos uma drag forte e desconcertante, arrancando a faixa de miss Brasil e se amordaçando com ela e quebrando as longas unhas postiças despedaçando buque de rosas. O Yan Chi, que fazia uma das drags do Klub Strass é uma drag importante da cena carioca e o retorno que ele nos passava era sempre positivo!

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That's 70 show in drag! Clube Strass! #pegapega

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Rouge é formada em Direito e passa a defender Malagueta por conta da acusação de roubo no hotel. Mais uma vez, personagens gays, lésbicas, travestis/drag queen passam a ser vistas também com uma identidade e cidadania, possuem formação acadêmica, entre outros. A Prefeitura de SP na gestão de Fernando Haddad iniciou um projeto que capacitava as travestis como uma forma de tirarem elas das ruas, prostituição, e ainda mais do alvo de ataques homofóbicos. Além de contar com trans, a novela também mostra que elas possuem uma vida como a de todo mundo: trabalham, estudam…

Sexualidade, gênero, cultura de identificação são partes importantes e fundamentais da identidade de qualquer pessoa, seja ela de que gênero for, seja ela cis ou trans, gay ou hetero. Mas não é tudo, somos definidos por uma gama imensa de coisas. Então é importante iluminar para o telespectador outros aspectos do cotidiano dos personagens e em especial dos personagens que carregam estigmas ou papéis políticos de resistência como estes de Pega Pega. Aqui também o imenso talento de Claudia Souto, autora da novela, de não olhar para nenhum personagem de maneira maniqueísta. Ao longo da novela nos pegávamos em crise por simpatizar com ladrões, por exemplo. Foram muitas as camadas dos personagens, para a alegria e agradecimento de todo o elenco.

A novela teve então um caráter de conquista política neste sentido.

E segue o elogio para a gestão do Haddad, com seu olhar humanista que é a possibilidade de transformação de uma cidade como São Paulo. E também diversos outros projetos em diferentes escalas, que empregam, tiram das ruas, trabalham a auto-estima de travestis e transexuais, como a Escola SP de Teatro e o Teatro Rival no Rio de Janeiro, em iniciativa de Leandra Leal e Alê Youssef.

Após ser alvo de piadas por conta de seus funcionários, o Douglas rebate os comentários como uma fala muito parecida com a do Dr. Dráuzio Varella, não? “Assim como eu não me acho no direito de saber o que cada um aqui faz da catraca pra fora, vocês também não deveriam estar preocupados com o que o colega faz ou deixa de fazer”.

Viva e deixe viver.

Outra discussão apontada por Pega Pega é a criação dos filhos. A sociedade sempre repassa para a mulher a responsabilidade pela educação, formal e informal das crianças, mas o Douglas após descobrir que tem um filho ​se aproximou do menino ​e a trama tem mostrado o quanto ele é dedicado e responsável com o garoto. Como analisa esse contexto levando em conta também a adoção – o que não é o caso do Douglas – de crianças por homossexuais, alvo de preconceitos? 

O mundo mudou e está mudando muito, felizmente. Temos visto mais cuidado e tolerância. Novas configurações de família são cada vez mais aceitas e desejadas e o homem encontra cada vez mais seu papel fundamental na criação de suas crianças, sejam filhos, afilhados, enteados…

Sobre a adoção, o que é principal como pensamento é que no centro não está um casal ou uma pessoa que não pode ou optou por não ter filhos ou apenas optou por adotar crianças. No centro está uma criança que não tem pais. Este pensamento urgente deve pautar as situações de adoção. Então realmente não importa se são duas mulheres, dois homens, uma mulher, um homem os adotantes em potencial. Importa um lar e amor para a criança. Impedir ou dificultar o processo de adoção por gays, casados ou não, é um pensamento e uma ação maligna e medieval, irresponsável e criminosa, eu diria. Toda entidade, toda organização que se posiciona contra a adoção de crianças por gays é uma entidade criminosa. Como a organização La Manif Pour Tous, na França e também diversas organizações em torno da fé brasileiras.

Gabriel era um tanto rebelde, mas Douglas foi​ se aproximando do garoto e a cena em que ele descobre que o menino sabe de sua condição/orientação foi muito bonita, foi através de um desenho, ou seja, mais uma vez a arte se coloca como uma ferramenta importante, no caso uma comunicação entre filho e pai…

O desenho foi uma maneira que o menino encontrou de dizer ao pai que sabia de sua orientação sexual, sabia de sua persona artística e que estava tudo bem. Emblemática é a cena em que o menino vai escondido na boate e vê o pai como drag queen, encarnando seu alter ego performático, Brigítta, no palco. Ali começa a mudança de relação dos dois e a mudança de comportamento do menino. Quando ele percebe que o pai não é o severo castrador/organizador que ele conhece como gerente do hotel, mas que possui um lado rebelde, leve, contestador, existe admiração e identificação. O menino celebra este encontro à distância, dançando na galeria da boate enquanto vê o pai destroçar convenções no palco. Dois personagens muito bonitos e cheios de camadas e sutilezas. Sim, a arte aproxima e salva.

Além de ficar com a guarda do filho, Douglas também vai encontrar um novo amor… Especula-se que ele vai iniciar um romance com o Delegado Siqueira, Marcelo Escorel…

Isso é um clássico das telenovelas, a formação de casais. Não acredito que a felicidade absoluta seja expressa apenas por encontros amorosos, mas é um exercício do gênero. Então sim, Douglas encontra seu amor.

Em entrevista ao Jô você aproveitou e deu o seu recado: “​Fora Temer!”​. Em algum momento achou que a sua manifestação fosse censurada da atração? E o ​que achou da reação das pessoas? 

Jamais achei que seria censurada, conheço o Jô muito bem e também a direção do programa que frequentei muitas vezes ao longo de muitos anos. O programa sempre foi um espaço de democracia e opiniões. Também nunca acreditei em nenhum tipo de censura da emissora.

As pessoas reagiram divididas como dividido estava o país na época. Muitos se sentiram representados, muitos traídos. Posicionamento político de figuras públicas sempre são vistos desta maneira. Mas acredito ter incitado conversas positivas nas redes sociais após o programa.

Sugiro para aprofundar o tema da pergunta o excelente texto de Eliane Brum sobre a emissora no El Pais: A Globo, do outro lado do paraíso, 28/11/17.

https://www.youtube.com/watch?v=-P7_l8pBNLM

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Para quem não viu no cinema, agora no NOW!!!!

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