Erika Januza comenta cena de preconceito racial com Eliane Giardini em O Outro Lado do Paraíso: “Chorei muito”

Publicado em 15/11/2017

Erika Januza está chamando a atenção na novela O Outro Lado do Paraíso como Raquel, a quilombola que se apaixona por um rapaz branco de classe média alta. A atriz conversou com nossa reportagem e falou sobre as cenas fortes de preconceito racial protagonizadas por sua personagem, e pela personagem de Eliane Giardini. Confira:

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Sua trama é bem atual, né?

Essa é a realidade do nosso povo, e o povo negro, além dos problemas sociais que o Brasil tem, ainda precisa enfrentar o racismo. Mas a Raquel é um fruto dessa jornada, e escolheu essa profissão que é digamos uma profissão branca, não sei se estou me equivocando, mas é difícil ver juízes negros em grande número. Precisamos mostrar que essa personagem passou por tudo isso, o que dará força para ela se superar e surpreender.

É um presente do Walcyr Carrasco, né?

Eu estou muito agradecida a Deus, à vida, ao Walcyr Carrasco por ter me dado essa oportunidade, à toda a direção que dirige a trama com carinho, e com um cuidado que é uma coisa linda. Desde o início a gente teve uma preparação que não é todo dia que a gente tem, de se juntar e ficar ali construindo o sentimento, isso fez toda diferença para mim. É tudo muito forte, eu sou grata a todo mundo que está nessa jornada.

Você falou que a Eliane Giardini deu uma suavizada no texto. Pois o tom era muito cruel em relação a realidade do negro. E depois da cena, como foi a reação de vocês?

Eu chorei tanto que depois que a cena terminou, eu continuei chorando, o diretor continuou gravando, e ela (Eliane) correu lá e disse: ‘Chega, chega, chega’; e me abraçou. Ela falou que vai embora mal quando grava esse tipo de cena, porque não é fácil, não é da índole dela. Ninguém se acostuma com isso, e nem é para se acostumar, mas ficar ali repetindo em cena mil vezes aquilo: ‘some daqui’; é muito forte. Tudo bem que é uma personagem, uma ficção, mas para mim por exemplo é pensar na história de todo um povo que sofreu e ainda sofre com isso.

Como você se preparou para essa personagem em questão?

Para me preparar para a personagem, assisti a tantos filmes, li tantos livros, matérias, entrevistas, pessoas que eu conversei, que tinha noite que eu ia dormir tão pesada, tão triste. Isso mexe com a gente, mexe com a minha história inclusive.

Você percebe que as pessoas não aceitam mais isso, né?

Graças a Deus que não. Antes existia o racismo, mas as pessoas não tinham a consciência de dizer: ‘Vou denunciar’. Hoje em dia os negros estão mais conscientes, mais unidos e essa união dá força aos outros: ‘Vi que fulano foi lá e denunciou, eu também vou denunciar’. Isso se torna uma rede de conscientização que vai deixando todo mundo mais forte, e que vai inibir os racistas de se manifestarem porque eles vão saber que não poderão mais fazer as gracinhas deles e ficarem impunes.

A TV Globo afastou o jornalista William Waack do comando do Jornal da Globo, após uma brincadeira preconceituosa feita por ele, que acabou sendo divulgada nas redes sociais.  O que você achou disso?

Teve esse acontecimento, e a emissora teve a atitude, não esperou ninguém cobrar, ela mesma já teve o posicionamento de defender, o que achei muito nobre, correto da parte deles. Isso só mostra claramente que o racismo está aí, nem precisamos de mais uma prova. Todo dia eu enfrento uma coisa, não é porque sou atriz que deixei de enfrentar não. Um dia estava no trânsito, o motorista me cortou e disse um absurdo, algo parecido do que o jornalista falou.

Lendo a história da personagem, a gente percebe que tem muito da Lupita Young ali, ou até mesmo da Oprah Winfrey que comeu o pão que o diabo amassou, e hoje é uma das mulheres mais ricas dos Estados Unidos. Você bebeu dessas fontes?

Até me arrepio com isso. E não só bebi nessas fontes grandes, mas também me inspirei nas pessoas humildes, histórias de mulheres comuns. Quando aparecem histórias como essas, de luta, de humilhação, o que eu gostaria é que a gente não passasse por nada disso, mas isso acaba se tornando um impulso do tipo: ‘Vou mostrar para esse povo que eu posso’. Exatamente é isso que a mãe da Raquel fala para ela: ‘Mostra pra esse povo que você é mais e nunca menos’. É isso!

A Raquel vai estudar, se formar, e se transformar em uma juíza. Ela vai ter algum anjo da guarda que possibilita ela fazer essas coisas ou vai ser por conta própria?

O anjo da guarda dela é a Mãe. Mas, o povo do Quilombo é quem vai ajudá-la a estudar. Aquelas pessoas humildes que vão se unir pela causa de uma, porque sabem que ela vai lutar pela causa de todos. A mãe pede que ela se torne uma juíza, não por ela mesma, mas para defender a causa dos negros e a Zezé Motta falando isso foi tão bonito, que a gente repetiu a cena 5 vezes, e nas 5, eu me emocionei, porque tudo o que o Walcyr Carrasco escreveu nas falas dela, não era só para minha personagem, mas para um monte de gente.

Ela fica sabendo que o Bruno se casou com uma médica?

Não, isso acontece depois, e ela nem fica sabendo. Na verdade, acontece quando ela é demitida que é a cena que foi ao ar essa semana, daí começa tudo desandar, porque ela foi expulsa, perdeu o emprego. Pensa: ‘Vai viver de quê?’; a Mãe percebe que não dá para ela continuar mais ali, porque o amor vai acabar tirando o foco dela, então ela diz: ‘Sai minha filha, vai viver sua vida, vai focar no seu estudo’. Então, ela foca nos estudos dela, procura outra cidade para estudar, que não seja Palmas, para ficar longe do Bruno, as coisas vão acontecendo, e ela não fica sabendo. Só quando ela volta, que ela descobre o que acontece nesses 10 anos.

A Clara vai voltar 10 anos depois com desejo de vingança. Como a Raquel volta em relação à personalidade?

Pois é. Eu não sinto nenhum desejo de vingança nela. Sinto nela o desejo de justiça, do tipo: ‘Vamos fazer o certo, vamos corrigir o que está errado’. Ainda não chegou muita coisa da segunda fase, mas pelo que li, ela é uma pessoa que faz justiça por ela mesma, pela Clara, e ela se une à Clara não para se vingar, e as duas acabam se encontrando por acaso. A Clara chega para se aconselhar com uma juíza e dá de cara com a Raquel. Vai ser uma cena muito bonita.

E quando ela ver o Bruno casado com outra mulher?

Ela fala o tempo todo: ‘Não, você está casado’, e aí eu não sei o que que vai acontecer, porque na verdade, ele nunca amou a esposa.

Mas como vai ser o rompimento entre eles?

Ele vai no quilombo procurar ela para eles se casarem e a Mãe não deixa, diz que a Raquel sumiu, mas ela estava lá dormindo.

Como vai ser o figurino dessa nova fase da Raquel?

Eu ainda não provei nada, mas estou sabendo que vai ser ‘babado’ o negócio, tudo trabalhado na elegância. Só troquei algumas ideias com a figurinista, mas sei que vai ser uma repaginada geral.

O David Junior, ator de ‘Pega Pega’, tem um figurino muito elegante em cena. Ele disse que sente muito orgulho como negro ao ver o terno do personagem dele, que é sempre tão bem vestido…

Isso gera orgulho não só para ele, mas para todos que o assistem. Eu não o conhecia, e um dia o encontrei nos Estúdios Globo, e parei para falar com ele justamente sobre isso. A gente fica orgulhoso vendo o outro, eu pelo menos fico, porque é uma vitória em conjunto. Essa questão da representatividade é muito importante. Eu quando criança assistia TV e não pensava: “Eu me pareço com fulana, meu cabelo parece com o da fulana’. Para eu me parecer com alguém da TV minimamente, eu tinha que alisar meu cabelo, hoje alguma menina pode dizer: ‘O cabelo daquela moça parece o meu’. Então, a TV é um meio de entretenimento, de comunicação, mas ela mexe com tudo isso. Vir uma coisa que está na tela e se identificar. Eu fico feliz de estar me vendo nesse lugar, talvez antes não me sentisse, mas hoje me sinto empoderada sim, quando você se aceita, tudo muda. Você carrega o cabelo de uma forma diferente, se ele está para cima, você quer deixar ele pra cima mesmo.

Como é o carinho do público?

As pessoas pedem pra pegar no meu cabelo, acredita? Falam o seguinte: ‘Minha filha deixou o cabelo assim para ficar igual ao seu’, ouço muitas coisas desse tipo e são coisas que me movem muito, porque estou há pouco tempo nessa profissão, mas para mim, já é uma vida. São 4 anos de uma mudança interna muito grande, por exemplo, eu cheguei em ‘Subúrbia’, de cabelo liso. Meu trabalho me mudou como pessoa, sou mais consciente e agradeço a Deus pelas oportunidades que a vida tem me dado por representar algo de positivo para as pessoas.

É um plantio, né?

O plantio é diário. Nessa novela por exemplo eu tenho que plantar uma novela inteira para colher a novela inteira. São duas fases, então, eu estudei para uma primeira fase, um sotaque, um jeito e numa mesma novela vou estudar uma outra coisa, para ter um outro comportamento, outra fala. Estudar para crescer o personagem, é crescer para mim mesma. Os encontros que eu tenho tido, as pessoas humildes que eu encontrei no Tocantins, que me ensinaram tanto, isso foi demais.  A gente aprendeu tanta coisa com aquele povo do Tocantins, quero muito voltar lá. Pessoas que pegam a galinha em casa e preparam para comer com uma nobreza muito mais do que quem tem um monte de coisa material.

Essa relação dela com o Bruno na segunda fase, como vai ser? Você acha que ela não vai se corromper por ele, ou acha que o amor vai falar mais alto?

O amor fala mais alto? Fala, mas não sei se ela iria se corromper por ele, ou dizer: ‘Separa e vem’; até porque isso também não é legal, ela estaria incentivando o término dele com a mulher que não tem nada a ver com a história deles.

Como está sendo a repercussão do casal?

Enorme! Eu não esperava não, porque eu tenho ouvido coisas de muita gente. No Twitter bomba de ‘Bruquel’ (mistura dos nomes Bruno e Raquel), de hashtag, fã clube do casal que já colocaram a gente vestido de noivos (risos). Eu fiquei passada. Sou muito pé no chão, não fico esperando, nem imaginando como vai ser a repercussão. As pessoas viram que não é o clichê da negra pobre com o rico branco, viram que é um amor que eles não estão querendo saber de nada, só ficar juntos. Eu como espectadora, consigo acredito naquela história, e isso me dá uma satisfação muito grande. Eu gosto de interagir com as pessoas, eu curto, compartilho, o que é legal, porque as pessoas do outro lado não esperam que o ator vá fazer isso, e interagir com ela. É como eu pensava antes de entrar nessa profissão. ‘Pessoa de televisão? É irreal’. Quando as pessoas me marcam, me falam, eu respondo, retuíto, porque estamos fazendo a novela para o outro. Se o outro está feliz com o que estou fazendo, nada mais justo do que interagir.

E o preconceito do negro com o negro, existe?

Eu fui um pouco agredida por causa disso. Saiu uma matéria sobre isso, que falava que existe preconceito do negro para com o negro, aí vieram falar: ‘Você está falando que a gente tem preconceito com a gente mesmo, a gente tem que se defender’. Eu não estou deixando de nos defender, e sim, mostrando que acontece sim. O maior índice de mulheres solteiras são de mulheres negras e eu não estou inventando, estou estudando. Porque será? Cadê os homens negros? Estão com quem? Estão  com as brancas e isso não estou dizendo que não pode, porque eu já namorei vários homens brancos. Somos o maior número de negras, 54% da população no Brasil são de negros, maior índice de mulher solteira, são mulheres negras. O maior índice de mortalidade são as pessoas negras, tudo tem um estudo por trás.

Entrevista feita pelo jornalista André Romano.

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