Protagonista de Filhos da Pátria, Alexandre Nero desabafa sobre situação do Brasil: “Tende a piorar mais”

Publicado em 07/08/2017

Dono de forte personalidade, ator e músico, Alexandre Nero é a grande estrela da série Filhos da Pátria, escrita por Bruno Mazzeo com direção de Maurício Farias e Joana Jabace. Na pele de Geraldo, um português que vive com a família no Brasil em tempos de independência, ele se deixa corromper pela sede de poder numa sátira da política nacional atual. Em entrevista ao Observatório da Televisão durante o evento de lançamento da série, ele contou sobre o personagem e seus sentimentos em relação a recentes acontecimentos no cenário político:

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Como foi gravar essa série com esse figurino e esses colegas?

Sofremos por causa do calor, mas foi muito divertido. A Fernanda (Torres) é engraçada demais, o Matheus (Nachtergaele) é engraçado, então me diverti muito. Meu personagem apesar de ser o protagonista, é o que menos faz as coisas. Ele realmente faz escada para essas figuras. Era difícil para mim ficar sério, olhando para eles. Estou muito feliz e orgulhoso de estar fazendo esse trabalho ainda mais nesse momento político. Não que seja novidade a corrupção ou essa safadeza toda, mas dessa forma tão descarada como está sendo feita, acho que não houve, ou pelo menos não me lembro de algo tão claro, de estarem passando a mão na nossa bunda e a gente dando risada, por isso acho que é um traço da história do Brasil.

O que está achando deste personagem?

É uma sorte grande para a série e um azar terrível para os brasileiros. Quando terminamos a série estava acontecendo o impeachment da Dilma, e pensamos “Pô, que pena que não podemos entrar com essa série agora, será que depois não vai ficar ultrapassada, o que foi uma inocência nossa por acreditar que o Brasil iria melhorar. A gente desaprendeu que o Brasil não melhora nunca, então infelizmente é isso. O Brasil sempre piorando e a gente fazendo série engraçada tirando sarro da gente mesmo.

Pra você o que é o jeitinho brasileiro?

Tem um tipo de jeitinho brasileiro que é legal, e às vezes feito quase que inocente. Temos ali na série os negros mostrando uma maneira de sobreviver às sacanagens que os portugueses brancos fizeram e acabam se virando como podem para pagar sua alforria, um povo explorado que tenta sobreviver de qualquer forma. Mas corrupção não é jeitinho brasileiro, é sem-vergonhice do mais alto quilate, coisa de bandido mesmo, já está fora do jeitinho.

Como foi a composição do personagem?

Pela primeira vez eu faço humor na TV, sempre fiz humor no teatro, e apesar do humor estar implícito em meus trabalhos, a possibilidade de colocar uma tinta maior, é a primeira vez. Acho que era hora de mostrar esse outro lado, é realmente diferente de todos os meus personagens, mas uma hora inevitavelmente vou acabar repetindo, algum personagem meu vai se parecer com outro.

Você sentiu algum tipo de dificuldade?

Não, eu sempre trabalhei com humor, inclusive creio que o humor é o que faz o ator fora da TV sobreviver. No Youtube por exemplo, os principais vídeos são de humor, os espetáculos mais lotados no teatro são de humor, e para mim é um lugar muito tranquilo.

Como foi sua parceria com a Fernanda Torres?

Divertida. Ela é muito engraçada, ligada no 220, uma pessoa gentil, um ícone. Fiquei ressabiado porque ela tem uma história de estar a vida toda na TV, é uma potência de atriz. Foi gentil pra caramba. Eu nunca tinha feito isso na TV, de trabalhar junto, ficar muito tempo distante e depois reunir de novo. É bacana para matar a saudade.

Percebo nas redes sociais que você tem muito bom humor, e não se leva muito a sério…

Isso aí. Eu não costumo falar bom humor, gosto de falar humor porque acho o mau humor divertido também. Quando vejo uma pessoa mal-humorada eu acho engraçado, aquela pessoa ranzinza. Sou mais autocrítico

O que te tira do sério?

Gente que não quer ouvir, gente que quer ter razão em tudo, que acha que sabe das coisas.

Elenco de Filhos da Pátria
Johnny Massaro Fernanda Torres Alexandre Nero e Lana Tremoroux em cena de Filhos da Pátria Divulgação TV Globo

Seu personagem não estava confortável com a corrupção. Ele vai tomar gosto?

A grande sacada do Bruno foi ter criado um corrupto que não é bandido, porque a gente sempre tende a imaginar as coisas de forma maniqueísta, por exemplo um corrupto bandido, um machista que é machão, mas isso é muito comum. Ele é um cara que é pai de família, bom, íntegro, então por que ele se corrompe? Porque é fácil. Ele trabalha com dinheiro, com gente que tem contatos, contatos na polícia, então ele sabe que não vai preso. Tivemos um exemplo essa semana do cara que não vai ser investigado porque tem amigos, que votaram para ele não ser investigado, então é bom ganhar dinheiro. Essa pessoa nunca está pensando que esse dinheiro que ela está pegando está matando um monte de gente, como pessoas mais humildes, sempre. O corrupto não necessariamente é uma pessoa má, mas o grande barato no caso do Geraldo é um cara bom que está sempre incomodado, e ele acha gostoso ter dinheiro, e chega uma hora que ele passa a não ligar mais para os outros. Na verdade, a corrupção acontece quando não tem ninguém olhando.

Tem muita gente que aponta para o senado mas colabora com as pequenas corrupções.

Sim, são as pequenas corrupções e isso digo que tem um quê de jeitinho brasileiro. Estamos falando de pessoas exploradas porque a história do Brasil é composta por pessoas exploradas, então se você vai numa favela você vê isso, você vê aquela pessoa que sempre foi explorada tentando explorar o sistema de alguma forma. Isso é um jeitinho brasileiro, e eu não acho esse cara um bandido. Bandido mesmo é quem explora esse cara. A gente acaba enxergando o bandido que a história vendeu pra gente, que é o pobre, que é o negro. A gente nunca acha que o bandido é o cara que está ali de terno e gravata no congresso, e esse é o pior tipo porque ele mata muito mais gente.

Tem algum projeto futuro para novela?

Em setembro estamos indo para Paraíba, num lugar com pouco acesso para trabalhar muito embaixo do sol por 3 meses e gravar Onde Nascem Os Fortes, a próxima supersérie com direção do José Luiz Villamarim. Eu faço um empresário rico da região, e tem uma trama de ele ser o dono da região, e como é novo para mim ainda não consigo explicar bem, mas é uma trama como vários vilões e as pessoas vão descobrindo aos pouquinhos quem são eles.

Mesmo fora do ar na TV, você tem vários outros projetos. O dia para você tinha que ter 48 horas?

Na verdade eu que tinha que parar mesmo, tenho que aprender a diminuir o ritmo, mas meu filho está me ajudando nisso. Ele é o grande assunto da minha vida hoje em dia. Fralda, cocô, papinha é o que mais me interessa. Não que eu goste de trocar fralda, mas eu faço.

Por que houve essa demora entre a gravação e a exibição?

A gravação foi em 1 mês e meio. A demora que aconteceu foi para estrear, mas é uma estratégia da Globo, então ela decide quando vai ao ar.

O seu personagem teve aquela dificuldade em se corromper. Você acredita que qualquer pessoa pode ser corrompida?

Ele virou corrupto e acho que todos nós podemos nos tornar qualquer coisa. Por exemplo, o que faz com que eu me torne um assassino? Matar alguém. O que me faria matar alguém? Não sei. Se alguém encostar no meu filho, talvez. Aí as pessoas dizem: “Mas nesse caso, tudo bem”. Não está tudo bem, eu terei me tornado um assassino independente da causa. Então é muito fácil falarmos sem estar na pele desse cara. Imagina, não tem ninguém olhando, você de frente para uma mala de dinheiro…

Você acredita que algum caso de corrupção atual, a pessoa tenha sido levada a fazer isso contra a sua vontade?

Não. Nenhum corrupto é inocente, ele se tornou corrupto porque quis. Que é um jogo, isso é, o buraco é muito mais embaixo.

Qual é o seu sentimento com o Brasil ao ver o arquivamento do processo contra o Temer?

O que já era. Absoluta desesperança. Sinceramente creio que só tem a piorar mais. Passaram a mão na nossa bunda e a gente riu. Por isso acho que é curioso a estreia dessa série, porque apesar de corrupção existir há 500 anos, acho que nunca foi tão descarada. O negócio é estudar cada candidato que virá no futuro profundamente, não acreditar em imprensa, não acreditar em artista, e estudar cada candidato. Procurar quem são, de onde vieram, e quais suas propostas, é a única saída, não tem outra.

Você se inspirou em alguém especificamente?

Não. Infelizmente acho que não existe ninguém tão inocente quanto o Geraldo.

O sotaque português foi difícil?

Não. Conseguimos diminuir bastante o sotaque português do personagem mas tem uma boa desculpa por ele ter vindo para o Brasil ainda criança. Aliviamos para não ficar incompreensível também.

A Fernanda comparou a personagem dela a Claudia Cruz…

A Fernanda consegue fazer uma coisa bem próxima do real, que é aquela pessoa encantada pelo dinheiro. O Geraldo é um cara mais honesto.

Você falou da paixão pelo seu filho. Você é o pai que sempre sonhou ser?

Ah cara, eu sou o pai possível, acho que sou um bom pai. Espero continuar sendo. Abdico de algumas coisas para estar com ele, mas não reclamo nem me arrependo.

Você pensa em sair do Brasil?

Acho que não tem nenhum brasileiro que não pense, com tudo isso o que está acontecendo. A coisa hoje virou tão óbvia, tão clichê que qualquer que eu fale hoje vai ser aquilo o que todo mundo fala.

Sua vida mudou depois que se tornou pai?

Mudou porque agora tenho dor na coluna, e ele está pesando cada vez mais, fora isso está muito divertido. Ele é muito legal, sorridente, simpático, e é muito bom ser pai do Noah. Ele é um bebê muito bacana. Hoje é o primeiro dia dele na escola, aquele período de adaptação que ele fica na escola 1 hora, se chorar a gente volta lá. Mas acho que não vai chorar, porque ele vai com todo mundo.

Mas você também é uma pessoa dada não é?

Não, eu sou muito tímido. Às vezes fico com vergonha por isso, entro nos lugares olhando para o chão, ele não, entra nos lugares dando “oi” para todo mundo. Ele chamando atenção e eu com vergonha.

E como você é com os fãs?

Eu sou tímido, as pessoas vêm tirar foto comigo, eu tiro, mas quase não falo nada. Eu sou tímido, é meu jeito, fazer o quê? (risos).

Você vai participar da próxima temporada de Amor & Sexo?

Não. Tenho muita coisa para fazer de dramaturgia e não vai dar tempo.

Você acha que a série vai deixar as pessoas mais esperançosas?

A série é para deixar o brasileiro mais esperançoso, se as pessoas ficarem esperando nada vai acontecer. A esperança serve só para esperar, veio daí o nome. A gente tem que sair pra cima dos caras porque eles querem acabar com a gente, acabar com o povo brasileiro, se não partirmos para cima deles não vai dar certo.

*Entrevista realizada pela jornalista Núcia Ferreira

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