Intérprete de um corrupto na série Filhos da Pátria, Matheus Nachtergaele analisa política nacional: “Deveria ser um trabalho vocacionado”

Publicado em 08/08/2017

Com diversos projetos no cinema, Matheus Nachtergaele volta à Globo na série Filhos da Pátria. Escrita por Bruno Mazzeo, a comédia que estreia na TV em setembro, já tem seus 12 episódios disponíveis na plataforma de vídeos Globo Play. Em entrevista durante o evento da lançamento do programa, Matheus conversou com nossa reportagem e contou detalhes sobre seu personagem, Pacheco, um homem corrupto que seduz seu colega Geraldo (Alexandre Nero) a entrar num esquema de corrupção:

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Como foi construir um personagem tão atual em nossa história, o corrupto?

Na hora da independência, um Brasil para nós brasileiros, poderia ter sido construído, mas o que se instala é a repetição o processo exploratório que os portugueses fizeram. A América Latina sofreu demais com essas explorações, e no Brasil especificamente, os governos foram entrando no poder sempre com essa tentativa de permanecer explorando esse lugar até a exaustão. Manter o povo como escravo, pagos ou não ainda somos escravos e sustentamos uma corte, que vive em Brasília, que gasta bilhões do dinheiro que podia ser nosso, para educação, saúde, cultura, mas não. Está tudo sendo utilizado nesse grande teatro assinado por grandes arquitetos, jatinhos, carros. O que é isso gente? Como é que um político não utiliza o serviço público de transporte e saúde para seus filhos por exemplo? Se você quer ser funcionário público, deveria ter o direito e dever de utilizar os serviços públicos do teu país, uma vez que é você quem os gesta. Mas não, os filhos deles estudam na Europa. Tentei fazer do meu personagem, o Pacheco, um pouco assim, um cara que se faz de francês, que não ama o Brasil.

Como foi a composição?

O Pacheco era uma tentativa de representar o DNA do que existe de mais corrupto em nós. A política brasileira é o lugar ideal para se ver esses tipos, e por isso não precisei me inspirar em alguém específico. Minha pesquisa era abrir o jornal todo dia de manhã, e tinham vários Pachecos ali. Eu estou achando que estrear agora depois do que aconteceu na semana passada no Brasil nos enche muito mais de sentido, e a vocação dessa série fica honrada. Uma presidente foi eleita e impeachmada pelo desejo de algumas pessoas, e essas mesmas pessoas foram na nossa cara dizer que não vão investigar um cara que cometeu crimes muito mais graves que os supostos crimes cometidos pela presidente eleita. Enquanto isso o país anda num desgoverno, e o bom é que agora sabemos o nome das pessoas e a quantidade de dinheiro que está sendo desviada de nós, e quando digo de nós, digo pagadores de impostos, que só ficamos no sistema capitalista para ter uma base bonita, saúde, educação, transporte, mas isso não é feito. Chegamos numa sinuca de bico. Como continuar trabalhando com alegria para um país que não cuida de si mesmo? Política tinha que ser um trabalho vocacionado e não ligado ao negócio, não poderia ser tão bem remunerado. Tínhamos que ter o direito de despedi-los como patrões, porque nós somos patrões, e ficamos fazendo reverência quando a gente encontra um governador, um prefeito, quando na verdade eles é que deveriam fazer reverência. Quando a moça do café passa perto de um presidente, ele é quem deveria se levantar e perguntar: “Está tudo bem?”. É isso.

Você parece indignado com tudo. É isso mesmo?

Isso que aconteceu, não poderia ter acontecido na nossa cara. O capitalismo é uma prisão terrível porque a gente não pode parar de trabalhar. Não existe como a gente parar e dizer: “Não pagamos mais esses impostos, até vocês pararem com essa loucura”. Na minha seara o que é possível fazer é se dedicar a um cinema com nossas raízes, menos copiador de um cinema norte-americano, escolher na televisão a dedo projetos dos quais posso fazer parte. Isso não quer dizer que não quero entreter as pessoas, fazer teatro fora das grandes cidades, e dos teatros caros, como tenho feito atualmente rodando o Brasil. O que nós podemos fazer é demonstrar nosso amor pelo Brasil, se é que ainda existe. Se negar a fazer atitudes desamorosas é a única saída. Se você é um médico, não seja um médico corrupto e que vai usar seu talento para fazer plástica em gente milionária. Ninguém quer ser pobre, mas as coisas de base precisam ser valorizadas. Professores precisam ganhar melhor, a saúde precisa andar, e é tão deprimente esse volume de dinheiro sendo desviado para campanhas políticas ou para o que quer que seja, enquanto vemos os hospitais nesse estado. Pagamos imposto o tempo inteiro e não temos isso devolvido em serviço.

A série retrata um pouco disso, não é mesmo?

Então, Filhos da Pátria é sobre isso. A mulher do Geraldo vai ficar mais feliz porque ele vai enriquecer, ele vai ser corrompido, eu vou ficar sendo esse sedutor mefistofélico que vai explicando para ele o caminho do desamor. O jeitinho brasileiro é um desamor, muito charme, muito molejo, mas não sabe amar ninguém. A fabula é bonita porque mostra no momento da independência, como o Brasil que poderia ser feito para os brasileiros, começou a ser feito no mesmo molde dos colonizadores. É incrível. Nunca pegamos o país para nós, sempre pegamos pra fazer dele um celeiro, para um outro patrão que não sabemos quem é. Cada um quer fazer para si. Tinha que ser para nós. Estou tão feliz com a série.

O Bruno Mazzeo comentou que o Brasil teve várias fases onde se acreditou que daria certo…

Seria bonito se a gente pudesse ao longo do tempo, investigar através das décadas o que nos aconteceu em cada pseudo-revolução que fomos vivendo. Quando se diz que estamos melhor que antes, acreditamos que sim em alguns aspectos, mas em aspectos mais profundos não. Estamos mergulhados em desamor.

Em algum momento seu personagem vai sofrer algum tipo de punição?

Nunca. Não enquanto o Brasil for assim (risos). Eu adoraria que a gente tivesse num país em que o retrato da realidade seria o Pacheco ser castigado pelos seus crimes. O Pacheco é o Temer semana passada. A Dilma pode, ele não (risos). E olha que eu nem sou petista.

No momento da composição deste personagem, foi difícil essa responsabilidade de interpretar o corrupto?

Tentei fazer com alegria porque o fundo da coisa é muito pantanoso, tentei procurar o que é corrupto em mim, com relação ao respeito ao próximo, chafurdar meus preconceitos. E o Pacheco é preconceituoso, ele acha que escravizar negros e índios é super normal. Tentei fazer uma leveza para não ficar triste demais, porque temos exemplos por todos os lugares. Como eu disse, eu abria o jornal e via ali a corrupção não só no personagem da notícia, mas também na forma como ela era escrita, que já era corrupta. Pacheco, até o nome parece que quer se dar bem (risos). Me desculpem os Pachecos do Brasil, mas depois de ‘Filhos da Pátria’, vai ficar marcado assim, parece que tem alguma dignidade, mas é um nome chulo (risos).

Qual reação do público você espera em relação ao seu personagem?

Eu espero que o público goste do Pacheco como quem gosta de alguém que se quer hostilizar, satirizar. É preciso gostar dele com afastamento.

É uma série que chamou atenção já pelo seu elenco…

Eu acho que o elenco estava muito motivado por causa da temática. Não tem como um artista no Brasil não se sentir motivado nesse momento com essa temática. E o lançamento na Globo Play coincidiu com os últimos acontecimentos políticos, é quase como passar KY na camisinha lubrificada, não precisa nem forçar (risos).

Você consegue citar algum tipo de desamor seu que você tenha tentando encontrar para compor o personagem?

Eu sou como qualquer pessoa, tenho tendências amorosas e desamorosas. Tem uma parte de mim egoísta que quer sobreviver, parte de mim magoada, parte de mim generosa, que tem bastante esperança comigo e com o Brasil, mas o Pacheco é um lado menos alegre de mim. Ele não é um homem triste, talvez se fosse, tivesse mais reflexão. Ele não tem tanta empatia, não é capaz de ver os sentimentos dos outros. Já fui mais irônico, e fui entendendo que a ironia era a parte triste do humor, é como rir se afastando. Todo ator vai procurar em si as tintas para compor seu personagem, não tem como tirar tão de fora, mas não é um drama psicológico ou comédia de costumes realistas, temos ali um pé na farsa.

Você acha que as pessoas vão torcer pelo Pacheco?

Eu espero que contra. Tem que rir do Pacheco, mas sem utilizar essa risada para perder a indignação que temos que ter com os Pachecos. Não vou dar nome aos bois, porque já tem muitos por aí.

Quais são seus projetos futuros?

Tem um filme da Lucrécia Martel, Zama, vamos estrear no dia 31 de agosto no Festival de Veneza. Estou rodando o Brasil com o monólogo que faço há 1 ano e meio, chamado Processo de Concerto do Desejo, no qual recito poemas da minha mãe que morreu, e canto músicas que ela gostava. Já filmei um longe chamado Piedade, tem também A Serpente. É isso.

Onde você está morando atualmente?

Eu fico dividido entre o Rio de Janeiro, e Tiradentes em Minas Gerais. É lá onde vivem meus cachorros. Eu sou um paulistano da roça, eu nasci em São Paulo e fui criado em Atibaia pelos meus avós, eles eram belgas, mas moravam na roça com vacas, galinhas. Tenho um pé na roça que quando vou para Tiradentes, ele pode acontecer em sua plenitude.

*Entrevista realizada pela jornalista Núcia Ferreira

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