“Muito comovente”, afirma Silvero Pereira sobre gravar cena inspirada na morte da travesti Dandara

Publicado em 24/06/2017

Em seu primeiro trabalho na TV, o ator cearense Silvero Pereira, 34, formado em Artes Cênicas pelo Instituto Federal de Educação do Ceará, tem ganhado cada vez mais destaque por conta de suas personagens em A Força do Querer de Gloria Perez. Silvero foi Escolhido pela autora após ela ter visto o premiado espetáculo BR-Trans, que atualmente está cartaz em São Paulo.

Nonato e Elis Miranda dão vozes às milhares de pessoas que lutam diariamente para viver com dignidade por vir de uma região castigada pela seca e pela falta de oportunidades, como no caso do motorista, ou até mesmo pela falta de visibilidade dada às travestis, no caso Elis Miranda, que realiza shows pela cidade.

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As cenas são sempre recheadas de reflexões sobre as mais diversas formas como pessoas trans são tratadas diariamente: violência, falta de oportunidade de trabalho, de cidadania mesmo. Em especial uma delas mostra a violência sofrida por Nonato depois que o irmão descobre que ele canta na noite como Elis Miranda.

Vale ressaltar que o Brasil é o país que mais mata membros da comunidade LGBT no mundo, em especial travestis e transexuais. Em 2016 foram 127 casos. Segundo estudo do Grupo Gay da Bahia a expectativa de vida é de até 35 anos, sendo que a média nacional é de 75 anos. Até maio de 2017 já foram registradas mais de cem mortes.

Em entrevista exclusiva ao Observatório da Televisão, Pereira revela detalhes da novela e fala da comovente cena em que ele, Nonato, é espancado pelo irmão: “A cena foi inspirada no assassinato da travesti Dandara no Ceará que teve o caso publicado nas redes sociais com vídeo. Foi muito comovente pra toda a equipe. Falar que existe violência é uma coisa, mas mostrar é doloroso, porém real, acontece diariamente. O Brasil é o país que mais mata LGBT no mundo e precisamos mudar este quadro”, revela o artista que estará no Encontro com Fátima Bernardes da próxima segunda, 26/06.

Por que escolheu ser artista?

Fui arrebatado pela arte. Não escolhi exatamente. Sempre, desde pequeno, tive inclinações pras Artes e sempre foi o lugar que me fez feliz como pessoa e profissional.

Nonato veio do nordeste em busca de melhores condições de vida no Rio. Conhece alguma história parecida com essa? Ou até mesmo a sua é assim?

Muitas histórias são assim. O Brasil é um país que viu o nordeste avançar pro centro e sudeste na esperança de vida melhor. Eu não me vejo exatamente assim. Não vim pro eixo Rio-São Paulo nessa expectativa, pois já tinha uma trajetória reconhecida no Ceará. Entretanto, não posso negar que trabalhar nesse eixo abre portas, pois boa parte dos olheiros estão aqui. Nos últimos três anos tenho trabalhado mais no Rio e São Paulo do que no Ceará, mas ainda mantenho minhas raízes fortes e um trabalho consolidado com muito carinho no nordeste. Não vim na esperança de vida melhor, porém me apaixonei pelas belas oportunidades criadas.

Nonato tem contracenado muito com a Biga, uma gordinha, interpretada pela atriz Mariana Xavier. Juntos eles carregam o peso de serem rejeitados pela sociedade, uma por conta da estética, outra por conta de sua sexualidade. Como a novela pode ajudar o público a compreender e a respeitar mais a diversidade entre as pessoas?

A TV aberta é um forte espaço de informação, então quando consegue conciliar isso com denúncia e, com isso, fomentar o debate contra as injustiças, quando faz pensar, ela se torna ainda mais potente aliando entretenimento com arte.

Como tem sido o retorno do público?

O público tem ótimo retorno. Sempre sou abordado com carinho e vejo as pessoas torcendo pelo bem da personagem.

Como construiu suas personagens?

Fui construindo essa personagem por camadas. Na verdade é Elis Miranda que finge ser Nonato e, às vezes, os dois ao mesmo tempo. Elis Miranda é mais forte, divertida e corajosa. Nonato é tímido, cuidadoso e curioso.

Aliás, Elis Miranda é uma criação sua ou da Gloria?

A personagem é uma criação da Gloria, ela batizou Nonato e me permitiu dar o nome Elis Miranda. Ela escreve sozinha, é muito generosa quando quer me perguntar algo e se ficarei feliz com a cena.

Em uma cena com Jane de Castro, a sua personagem diz: Pra travesti ninguém dá emprego. Por trás dessa fala certamente há o peso de dar voz a milhares de outras travestis que passam por essa mesma situação: não conseguem emprego, passam por dificuldades e acabam indo para a prostituição, correm risco de vida…Gostaria que você comentasse essa situação e o retorno que tem tido das travestis. E como o poder público e a sociedade podem contribuir para que todas essas pessoas possam ser tratadas com respeito e dignidade?  

Várias meninas falam comigo com muito carinho e comentam que a história está sendo contada com muita delicadeza e verdade. Acho que o problema é a base, precisa mudar desde a família, a escola e a política. Ter bancada [evangélica] na política a favor e menos conservadores. O problema não é ser prostituta, prostituição também é profissão e merece respeito. O problema é quando algumas meninas são obrigadas a isso por falta de formação e outras oportunidades.

Como foi gravar a cena, 09/05, em que o Nonato é espancado pelo irmão? Ficou emocionado? Lembrou da história de alguém próximo? 

A cena foi inspirada no assassinato da travesti Dandara no Ceará que teve o caso publicado nas redes sociais com vídeo. Foi muito comovente pra toda a equipe. Falar que existe violência é uma coisa, mas mostrar é doloroso, porém real, acontece diariamente. O Brasil é o país que mais mata LGBT no mundo e precisamos mudar este quadro.

A Globo e a novela lhe trouxeram mais notoriedade. Sentiu alguma mudança no comportamento das pessoas?

Sim, noto o reconhecimento nas ruas e muito carinho. Estive na Parada do Orgulho LGBT de SP e foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida poder ver as pessoas te parabenizando e felizes com seu trabalho.

No espetáculo BR Trans, você dá voz às pessoas invisíveis que tanto a sociedade faz questão de manter nessa condição. Quais são os frutos que você vem colhendo por conta deste trabalho? E o público, o que ele pode esperar do espetáculo? 

BR-TRANS é importante porque ele integra mais de dez espetáculos do Coletivo As Travestidas, grupo que fundei no Ceará pra falar sobre esse universo. Há 15 anos decidi pesquisar e usar meu trabalho em favor das questões sociais. No Ceará é notório uma grande mudança, a visão sobre travestis, transformistas e transexuais para além do superficial e esteriótipos. Conseguimos verticalizar o assunto e provocar mudanças significativas no preconceito.

Serviço:

BR-Trans no Auditório do Ibirapuera – IV Mostra Petrobras Premmia de Teatro

24/06, às 21h, com audiodescrição

25/06, às 19h, com interpretação na Língua Brasileira de Sinais (Libras)

Ingressos: R$20 e 10 (meia)

BR-Trans no Itaú Cultural

27/06, terça, às 20h, grátis

Duração: 70 minutos. Classificação: 14 anos. Drama

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