Escalado para Carinha de Anjo, artista armênio relembra o dia em que conheceu Aracy Balabanian: “Ouvir ela falando em armênio comigo foi muito surreal”

Publicado em 02/02/2017

Em meio aos conflitos da guerra a cultura transforma vidas e promove dentro de muitos o desejo de mudanças. Mudanças que veem acompanhadas de sonhos. Sonhos que aos poucos vão se concretizando na vida de um artista. Um armênio.

Arthur Haroyan tinha o sonho de conhecer uma das maiores atrizes do teatro e da TV, Aracy Balabanian. Graças a um folhetim ele reconheceu o sobrenome da artista também de origem armênia e cravou: “‘Um dia vou pro Brasil e vou conhecer a Aracy Balabanian’. Minha mãe concordou ironicamente e continuou passar a sua roupa”.

O sonho se realizou e Arthur conheceu Aracy nos bastidores do especial promovido pelo Canal Viva sobre o Sai de Baixo. O artista já se apresentou no extinto Programa do Jô e também pelos palcos brasileiros com suas peças. E também pode ser visto na TV Brasil na série Entre o Céu e a Terra.

Confira entrevista com Haroyan  que em breve faz uma participação na novela do SBT, Carinha de Anjo:

Analisando a programação da TV brasileira, o que causaria estranhamento entre os armênios?

O programa Amor e Sexo. Particularmente eu adoro. Gosto do conteúdo pois falar sobre todo tipo de igualdade é muito importante… Os armênios são um pouco tímidos para esse tipo de entretenimento. Mas adoraria um dia mostrar um dos episódios do programa pra ver a reação da minha família. Traduzir os conselhos da Laura Muller do “Altas Horas” para minha avó, por exemplo, seria um pouco dramático e bastante constrangedor  (risos)

A programação da TV na Armênia é muito diferente da nossa? 

Estamos vivendo uma época de globalização. Globalização em todos os aspectos. A TV não é exceção. Temos programas sobre culinária, The Voice, X Factor e agora até  novelas nacionais.

Quais são os programas ou novelas produzidos aqui no Brasil que se tornaram um fenômeno entre os armênios?

Com certeza as novelas! Na época da Escrava Isaura a eletricidade tinha seu cronograma de funcionamento e era muito importante para saber as notícias da guerra que a Armênia estava enfrentando contra o Azerbaijão. A gente ficava esperando a notícia mais desejada: “A guerra acabou!”. A televisão que a gente tinha em casa era uma daquelas antigas em preto e branco, com o seletor dos canais quebrado que girava só com alicate. Uma das  diversões quando tinha luz, era assistir novelas. No começo passavam novelas mexicanas. Mas nem sempre tinha tempo para assistir, porque precisava encher os baldes com a neve para derreter e pra ter água potável. Mas quando começaram as novelas brasileiras todas as outras coisas ficaram em segundo plano. Essas novelas fizeram tanto sucesso que até escolas liberavam os alunos para assistir os capítulos finais. Uma realidade tão diferente da nossa! Quando o cronograma da eletricidade não batia com o horário da novela meu tio Garnik tinha um jeito genial para que não ficássemos sem novela. Ele ligava a TV na bateria do carro e todo o bairro se juntava em volta da TV para assistir novelas. Eu era o único que não podia assistir estas novelas pois meu tio falava “que assistir novelas não é coisa de homem”, mas eu sempre dava um jeito de escapar do meu tio e  acompanhar as novelas.  Tudo começou pela novela Escrava Isaura (a primeira versão).  Depois Mulheres de areia, A Próxima Vítima foi um sucesso, Rei do Gado, Pecado Capital, A Casa das Sete Mulheres… Mas a novela O Clone explodiu tudo e todos. Algum tempo atrás estava na Armênia. Visitei um dos canais armênios que compra novelas brasileiras. Estava passando a Avenida Brasil. O diretor do canal me recebeu e acabei contando a novela inteira. Acho que foi maldade fazer isso, né? (risos)

Por conta do modelo de educação adotado em seu país de origem, a Republica Armênia, você passou a conhecer de perto grandes escritores da literatura, aprendeu a falar vários idiomas, entre outras habilidades que são essenciais para um artista. O quanto toda essa formação foi e é importante pra você? Conhece de perto a realidade das escolas brasileiras?

Bom, aqui serei um pouco crítico, mas bem objetivo. Na Armênia desde cedo começamos a aprender três idiomas e três alfabetos diferentes (armênio, russo que é alfabeto cirílico e inglês que é alfabeto latino). Nos ensinam que quantos idiomas sabemos falar tantas portas podemos abrir. É claro que nem todos saem da escola poliglotas mas já é uma abertura, um fundamento. Nas escolas armênias o aluno antes de falar deve levantar a mão, quando o professor entra na sala eles devem saudar o professor em pé e outras coisas básicas que precisamos fazer fora da escola também, independentemente se somos  alunos ou não. Eu, antes de chegar no quinto ano do ensino médio achava que o professor era um ser de outro mundo, que não come, não bebe, não dorme… As aulas eram um evento! Conheço umas escolas brasileiras de perto, do governo ou particular, e maioria das vezes sem respeito ao professor. Agora em vez do aluno ter medo do professor acontece o contrário. Afinal, eles são os nossos educadores e passam mais tempo com a gente do que os próprios pais. Eu dou aulas particulares de russo e de armênio. É mais fácil lidar com aluno particular porque ninguém obriga ele a fazer aula. Na Armênia eu me formei em letras, língua e literatura russa que foi fundamental para minha jornada artística. A leitura é muito importante, principalmente  para o ator. A educação é fundamental para um país que quer dar certo. 

Em Carinha de Anjo você contracenou com a atriz Angela Dip, a Penélope de Castelo Rá Tim Bum, um clássico da teledramaturgia e um dos infantis de maior sucesso entre os brasileiros. Como foi escalado para o remake da novela?

Quando eu ainda estava estudando, há uns sete anos, fui fazer figuração em uma novela no SBT pois queria conhecer o meio. Estava tão feliz, até liguei para minha família dizendo que tinha começado a fazer novela (risos). Minha mãe contou que minha avó não saia da frente da televisão pra ver quando eu iria aparecer, porque algumas novelas brasileiras passam lá na Armênia. O diretor da novela percebeu o meu sotaque e começamos a conversar um pouco. Ele sugeriu um teste para o banco de atores do SBT. Meu currículo ficou lá por um bom tempo. Fui chamado para uma participação em Chiquititas. Fiquei tão feliz que quase não conseguia dormir. Mas, infelizmente, minhas cenas não foram ao ar. Agora fui escalado para fazer um fotógrafo em Carinha de Anjo. Tô louco para ver o resultado.

São raras as vezes em que um convidado tem a chance de ir ao extinto Programa do Jô. Você foi duas vezes. Ficou nervoso ao chegar perto dele? Ele também é ator, diretor e escritor. Também ganhou conselhos do artista? E como foi apresentar a sua cultura para os brasileiros?

Em 2013 meu grupo de teatro, o grupo “Arca”, estava em cartaz com a peça “1915” de minha autoria, que conta sobre o genocídio armênio. Assim fui convidado para o programa. Mas uma semana antes a entrevista foi cancelada. Fiquei triste pois entendia a importância desta entrevista na minha carreira e tinha muita vontade de conhecer o Jô de perto. Ele é tão inteligente! Quando reagendaram a entrevista a peça tinha saído de cartaz. Quase a mesma situação aconteceu em 2015. No primeiro programa eu estava muito tenso pois ouvi coisas que me deixaram inseguro, mas ele foi muito receptivo e me deixou a vontade. Na segunda entrevista já estava tranquilo e animado por sentar de novo naquele sofá.  Levei charutos de folha de uva para ele feitos com as minhas mãos e batemos um papo muito gostoso.  A entrevista de 2015 passou até na Semana do Jô no canal GNT como uma das melhores.  Sempre pra onde eu vou, eu procuro falar da minha origem, pois somos um dos povos mais antigos desse planeta. Todos  os brasileiros que me conhecem, pelo menos, já sabem onde fica Armênia, já sabem que a Arca para no monte Ararat, que Armênia foi o primeiro estado que adotou o cristianismo como religião nacional antes mesmo de Roma e  também que a cantora Cher e o grupo “System Of a Down” (e não apenas eles) são armênios.  É um tipo de prova para ter amizade comigo (risos)

Arthur relembrou pelas redes sociais sua participação no extinto Progrma do Jô Instagram

Aracy Balabanian é uma das atrizes mais respeitadas no Brasil. O quanto conhecer ela de perto mexeu com você? Ela te deu conselhos? E como aconteceu o encontro?

Na época da guerra nós mudamos para Sibéria, onde também passavam novelas brasileiras. Na abertura de uma delas eu ouvi o nome Aracy Balabanian. Dei um grito e chamei minha mãe: “Mãe, tem uma armênia nessa novela nova!”. Eu sempre olho até hoje créditos de filmes e de novelas para achar um sobrenome que termine em “yan” ou “ian” que indica origem armênia. Era A Próxima Vítima! Acompanhei a novela até o final. No último capítulo falei para minha mãe: “Um dia vou pro Brasil e vou conhecer a Aracy Balabanian”. Minha mãe concordou ironicamente e continuou passar a sua roupa. Depois de 18 anos eu encontrei com ela.  Foi numa das gravações dos quatro episódios novos do  Sai de Baixo. Eu levei as flores mais belas de São Paulo e fui…  Foi um encontro muito desejado por mim, provando pra mim e para todos que quando você deseja algo, todo universo conspira ao seu favor. Foi um encontro histórico para todos aqueles que me conheciam.  Ela me abraçou, eu beijei a sua mão e fiquei parado como uma estatua…  Era uma sensação de morrer e nascer de novo. Ouvir ela falando em armênio comigo foi muito surreal.

Arthur levou flores para Aracy nos bastidores do Sai de Baixo Divulgação

Na TV Brasil, você integrou o elenco de Entre o Céu e a Terra que discute religião, cultura e filosofia. Como surgiu o convite e o que pode adiantar do seu personagem?

O convite surgiu através meu amigo, ator, diretor de elenco Daniel Ortega. Ele me apresentou para o diretor e rolou. Foi muito gostoso gravar as cenas.  Com meu sotaque armênio eu interpretei um cara de nome brasileiro (risos). O personagem é o padrasto da filha do Alberto, protagonizado pelo ator Clayton Mariano.

Arthur mora no Brasil e já se apresentou nos palcos brasileiros Instagram

No Youtube você vem com um programa de culinária. O que o público pode esperar deste novo trabalho? Gosta de cozinhar? Gosta de realities como MasterChef, entre outros?

A diretora do programa Raquel Beolchi com apoio da produtora Videoimagem já estão preparando ideias renovadas para retomar as gravações com toda força. Vão ser várias receitas e não apenas receitas armênias pois adoro cozinhar. Sabe, tornou uma tradição quando um amigo me convida para sua casa e deixa cozinha toda pronta para eu cozinhar (risos). Graças a Deus consigo agradar o paladar de todos. Gosto de realities de culinária porque saber cozinhar também é um dom, uma arte. Adoraria participar de algum deles, só tem que esconder pimenta pois as minhas comidas são bem quentes.

Arthur também poderá ser visto na TV Brasil com Entre o Céu e a Terra Instagram

Seus novos projetos?

Estou cheio de planos para 2017. O meu grupo de teatro vai estrear uma peça nova no festival internacional de Curitiba chamado Fringe. A peça é da minha autoria chamada Fora Desse Mundo com a direção de Kleber Góes. Estamos muito inspirados em Pina Bausch e na companhia francesa Maguy Marin. Para inovação do repertório convidamos um excelente profissional Fábio Parpinelli que assumiu a direção de movimento e preparação corporal. Já temos estreia marcada no dia 7 de abril lá em Curitiba, quando os armênios comemoraram o dia das mulheres e das mães.  Estamos em busca de apoiadores e patrocínio para fazermos uma temporada em São Paulo. Se alguém se manifestar, agradeço! Também  escrevi o roteiro de um longa inspirado na minha vida, chamado Bolachas Felizes. O diretor de Spieel Pacheco se interessou pela história e quer fazer um documentário sobre a produção do filme e a minha vida. Em maio, junto com UGAB do Brasil (União Geral Armênia de Beneficência), vamos ter semana de eventos ligados a Armênia: palestras, cinema, teatro, música, culinária e estamos convidados todos vocês para fazer parte desse evento e conhecer um pouco mais a minha terra, as minhas raízes  Tem convites da Armênia para gravar duas longas e uma série, mas isto já pro final do ano.

Três novelas:

A Próxima Vítima,  O Clone e Avenida Brasil. 

Três atores: 

Fernanda Montenegro,  Nicole Kidman e Frunzik Mkrtchyan. 

Três peças:

Nós (grupo Galpão), Irmãos de Sangue (Dos à Deux) e “Luis Antonio- Gabriela” (Cia. Mungunzá de Teatro). 

Três diretores:

Ridley Scott, Lars von Trier e Sergei Parajanov. 

Três livros:

Alquimista (Paulo Coelho), O  Perfume (Patrick Suskind) e Sol do Outono (Hrant Matevosyan). 

Três filmes:

Perfume – A História de um Assassino, Dançarina no escuro e Os Outros. 

Três cantores: 

Bjork, Linda Geyman (cantora russa muito famosa na região. Inclusive já compus uma canção que ela gravou) e Charlez Aznavour. 

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