“Sou neto de empregada doméstica”, declara Léo Rosa que em Escrava Mãe luta contra a escravidão

Publicado em 24/10/2016

Com uma carreira promissora na TV, o ator Léo Rosa conta em entrevista exclusiva ao Observatória da Televisão detalhes de seu personagem na trama de época da Record, Escrava Mãe.

Escrita por Gustavo Reiz, Escrava Mãe se passa em 1808 e está totalmente gravada. Léo vive Átila, um professor, que luta contra a escravidão e ideais justos para um sociedade corrompida.

O ator coleciona muitos trabalhos na Record, entre eles, Balacobaco, Vidas Opostas, Rei Davi e Promessas de Amor. Em novembro estreia no teatro e em 2017 nos cinemas e lança também um livro.

Confira o bate-papo:

O seu personagem em Escrava Mãe é um idealista e romântico. Ele é o cupido que ajuda Juliana e Miguel a seguirem sua história. Como foi o processo de pesquisa da personagem? Quais foram as suas referências para pensar no contexto histórico da época? 

O contexto histórico da época é bastante complexo. A chegada da corte portuguesa modifica toda a forma como as coisas são organizadas no país da época. 1808 é tempo de livre comércio de escravos, domínio dos grandes senhores feudais, desigualdades sociais gigantescas e é contra isso que está o pensamento do revolucionário Átila. Romântico, corajoso, idealista, um jovem intelectual e professor que tenta trazer à consciência do povo os seus conhecimentos, em busca de uma sociedade mais justa e igual. Comecei lendo o livro do Laurentino Gomes, 1808, que me deu uma primeira aproximação ao universo de então, mas assim que chegaram os capítulos, me mantive firme na estrutura narrativa do Gustavo e na forma como, no Átila, as questões sociais e históricas eram retratadas por sua fala contundente e firme. Me senti muitas vezes a voz do autor na trama, aquele personagem que você imagina que carrega a visão de mundo dele, o sonhador em busca de um mundo melhor. E sabia que teria que me desdobrar para estar à altura das causas que ele defende, como a abolição, a caça aos corruptos da época, a luta por acesso à informação de qualidade, enfim…coisas superadas já, não é? (Risos). Gustavo me ofereceu um imenso desafio, Ivan Zettel conduziu com olhar calmo e muito seguro das minhas possibilidades e a eles agradeço aqui imensamente.

O atual momento político do país é complicado. O contexto político da novela também. Consegue fazer paralelos entre aquela realidade, a ficção e o nosso atual momento? 

Consigo fazer muitos paralelos. Espero que o expectador também. Corrupção, enriquecimento dos grandes senhores baseado em exploração dos mais pobres, jornadas de trabalho extenuantes, trabalho escravo espalhado por todos os cantos do mundo. Sinto, sinceramente, que a luta é longa… Quem busca igualdade e equilíbrio social precisa saber que ainda há muito a ser feito para diminuirmos as injustiças cometidas principalmente contra os negros e indígenas deste país. A escravidão acabou? Será mesmo? Ou somos livres agora, trabalhando horas a fio e enfrentando horas de trânsito (por falta de políticas de transporte público) para comprarmos bens de consumo que são essenciais para a nossa felicidade? Somos livres mesmo? Ou alguns sonhos você teve que deixar de lado, porque afinal de contas é preciso ganhar dinheiro! Para ganhar dinheiro vale perder os sonhos? Essa sua pergunta pra mim tem mais perguntas do que respostas. (Infelizmente).

Educação é um tema que sempre será debatido e apontado como um ponto fraco da nosso sociedade. Átila é um professor. Sabemos que a educação chegou tardiamente ao Brasil. Muitos dos problemas que temos hoje são reflexos da falta de educação e civilidade daquele momento…

A educação é a base do humano. Que é a base do cidadão. Que para exercer a sua cidadania, necessita de conhecimento para poder ser agente das transformações. Então “para que dar esse poder ao povo”? Educação é poder. E o poder é para poucos. Assim pensam os grandes senhores. Os donos do capital, ou seja, os donos do mundo. Quanto mais ignorante, mais desinformado ou, ultimamente, mais mal e excessivamente informado, melhor para os que querem seguir senhores da razão e do sistema. Isso desde sempre. O homem branco chegou aqui na América, dizimou os índios, surrupiou uma imensa riqueza natural e obrigou os “Pobres ignorantes” a seguir seus costumes sociais, religiosos e culturais. Vivemos em um país onde a educação é comércio. Estuda bem quem pode pagar. E quem não pode? Como se insere na sociedade? Como consegue ser ouvido? Aonde trabalha? Como mantém sua família? Em que condições? Somos um país com imensos abismos sociais, muito claramente mantidos pelas grandes elites detentoras do poder. Ou você acha mesmo que o filho da empregada doméstica terá as mesmas condições de crescimento intelectual que o menino rico do Morumbi, ou do Leblon, ou do Moinhos de Vento, em Porto Alegre?

O tema levantado pela trama – escravidão – é de suma importância para se entender e debater as desigualdades sociais em nosso país. Como e de que forma isso te afeta?

Isso me afeta profundamente. Sou neto de empregada doméstica, tive momentos na infância onde ia visitar minha vó no seu trabalho (uma casa onde ela só saía a cada 15 dias) e sei o quanto me senti excluído…É sobre isso que precisamos falar…Cada vez mais…E é com consciência e cidadania que desejo seguir os meus passos como artista, alertando e abrindo mentes e corações. A função da arte é transformar. Primeiramente a mim mesmo. Mas sigo nesta busca. Indagando o que está posto me sinto mais pulsante e vivo. É isso que me importa.

Uma novela pode contribuir para a mudança de comportamento como o fim do preconceito racial e de classes?

A escravidão é um tema muito ligado ao século XIX, principalmente pelo marco de seu fim. Tivemos sim a Lei Áurea, em 1888, que trouxe uma possibilidade maravilhosa para todos os negros do país, mas que condições lhes foram oferecidas após? A periferia e os lugares mais afastados dos grandes centros urbanos de hoje, com uma população na maioria negra, ainda vivem situações de péssimas condições de qualidade de vida, em pleno 2016… Os reflexos da nova escravidão estão aí, no dia a dia das grandes cidades. É só olhar o caso dos prédios em que pessoas que prestam serviços domésticos não podem andar de elevador social, enfim. veremos muito facilmente os resquícios da segregação até hoje.

O que mais destaca na trama? 
Uma obra de arte, uma pintura, um filme, uma fotografia, ou mesmo uma telenovela podem sim alertar sobre temas fundamentais para o debate de uma sociedade mais justa e igual. Essa é a minha vontade. Cada vez mais fazer trabalhos que se mostrem capazes de despertar diálogo e atenção para causas do bem comum. Em Escrava Mãe temos o amor de um homem branco, estrangeiro, por uma escrava negra, temos a defesa ideológica de personagens como Átila, favorável à abolição da escravatura e que luta por mais informação e ação do povo contra os grandes senhores do capital, temos os mesmos lutando pela justiça, principalmente voltada a agir contra estes coronéis e senhores de terras, enfim. Uma ótima discussão das causas sociais já naquela época.
Vejo que pelas redes sociais você interage bastante com seus fãs. A novela já está totalmente gravada, mas você já sabe o final da história. Como tem sido a reação do público?  
As pessoas têm reagido muito positivamente, elogiando muito o conjunto da obra e torcendo para o Átila ficar com Filipa (Milena Toscano) e finalmente descobrir se é o pai de Jasmin… Estou aprendendo mais essa proximidade com o público através da internet. É bem novo pra mim. Demanda um tempo e uma atenção, já que eu mesmo cuido dos canais que criei, no caso Instagram e Facebook. E tenho aprendido bastante sobre como perceber e melhorar esse interação. Estou gostando muito.
É diferente acompanhar um novela que já está finalizada e inédita no ar? Átila terá um final feliz? 
Ver uma novela pronta é como ver um filme. Você não tem mais como mudar suas escolhas. Não pode mais interferir no que está sendo feito. Então você senta e assiste, como espectador. É mais prazeroso até. Mesmo assim costumo não assistir meus trabalhos. Tenho dificuldade. Prefiro o sentimento da hora, no set de filmagem. Alí é onde realmente me realizo ao fazer TV ou cinema.
O quanto o Léo Rosa ator mudou desde o primeiro papel lá em Vidas Opostas, um protagonista?  Amor e Intrigas também está no ar. Você é muito crítico em relação aos seus trabalhos? 
Mudei muito. São dez anos. Vidas Opostas foi minha estreia em TV. Já com uma imensa responsabilidade. Fazer um protagonista é muito complexo. Exige uma disponibilidade absoluta, uma entrega do seu tempo surreal e além disso tudo, uma energia positiva para atravessar a jornada de maneira saudável e agregadora, pois o todo da produção gira em torno da sua personagem. Aprendi profundamente com Miguel e com meus colegas de trabalho na época. Lucinha Lins, Lavínia Vlasak, Marcelo Serrado, enfim. Depois fiz mais vários trabalhos em TV, teatro, fiz minha estreia no cinema (um sonho antigo) fazendo uma história baseada em Faroeste Caboclo, do meu ídolo de infância Renato Russo, e estou aqui, aprendendo com este novo trabalho e momento de vida. São dez anos, cinco novelas, uma série, três filmes, três peças de teatro. Digamos que andei um bocado. Espero ter aprendido algo. Trabalhei com pessoas que admiro. Selton Mello, Amir Haddad, Georgette Fadel, Caio Sóh. Um privilégio e um aprendizado imensos. Sou bastante crítico sim. Mas estou cada vez mais leve nisso. Meus amigos vão ler e dizer que não. (Risos). Tá bom! Sou bastante crítico sim!
O que carrega dos seus personagens e que está aí dentro do Léo como pessoa?
Um personagem é uma junção de tudo que tenho em mim mais tudo o que observo, o que me toca, me movimenta, tudo o que me faz observar o mundo e me transformar também por dentro. Um personagem é uma parte de tudo o que sou, se contamina com o que vivo naquele momento, e é contaminado também, me emprestando sua visão para que eu seja assim diferente. Um personagem é a chance que eu tenho de me salvar de mim mesmo as vezes, ou então de me agradecer, por poder, naquele instante, pensar e sentir com o peito aberto, mesmo que suas escolhas sejam absolutamente contrárias às minhas. O personagem me ensina a amar e tolerar o outro. Me ensina a seguir, cada vez mais puro e livre. Um personagem é um novo começo, sempre. E recomeçar é maravilhoso!
Teatro, cinema e literatura:  
Agora o ator se prepara mais desafios: Em Bruta Flor, de Márcio Rosário, ele será Lucas.  A peça tem como tema principal a homofobia e Léo dividirá a cena com os colegas Lidi Lisboa e Pedro Lemos. A peça estreia no dia 11/11, no Teatro Raposo/Sala Irene Ravache. Léo também lança um livro de poesias em 2017, Poema à Caminho”, e um novo longa, Por Trás do Céu.
“A peça que é um grito de aceitação. Uma jornada de um homem buscando entender o que o leva a sentir um desejo enorme por alguém do mesmo sexo. É um desafio imenso, pois faço um homem absolutamente preconceituoso e que precisa se aceitar. Um reacionário. Um homem contrário a tudo o que prezo e acredito”, afirma Léo.
Léo, Lidi e Pedro estão em Bruta Flor
Fotos/Record

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