Poesia e Nostalgia dão o tom à estreia de Nada Será Como Antes

Publicado em 27/09/2016

A televisão como conhecemos hoje está prestes a mudar. Os serviços de streaming cada vez mais presentes e a necessidade de aliança existente entre a telinha e a internet já é uma realidade, planejada para atrair um público que já está se desacostumando a assistir TV de forma tradicional, mas sabemos que a rainha dos eletrodomésticos ainda tem espaço de destaque na casa na maioria dos brasileiros.


Nada Será Como Antes
estreou com a missão de contar de forma fictícia a história das primeiras transmissões da televisão no Brasil. Diferente das minisséries antigas, a série que terá um episódio exibido por semana, sempre às terças, não utiliza de nenhum personagem histórico, ou figura real da época, mas estas já estão pinceladas em cada pitada de personagem.

As primeiras cenas que vimos giram em torno do romance entre Saulo (Murilo Benício) e Verônica (Débora Falabella). Ele, um ex-vendedor de aparelhos de rádio, e visionário, que impulsionou a carreira da amada para o status de atriz reconhecida e se arrisca pela criação da primeira estação de televisão brasileira, a TV Guanabara. Em clara alusão a Assis Chateaubriand, Guel Arraes, criador da série, fez de Saulo um personagem mais carismático que o mecenas da vida real – colocou nele a origem humilde, batalhadora de um homem que cresce pelas próprias escolhas, com sonhos concretos tanto profissionais como pessoais. Ele é o personagem âncora que nos apresenta a todos os outros.

Estúdio da TV Guanabara (Foto: Divulgação)
Estúdio da TV Guanabara Foto Divulgação

Tal qual ocorrera na década de 1950, a televisão era desacreditada pelos investidores, e patrocinadores que sempre estiveram no rádio. As dificuldades técnicas eram enormes, assim como o valor dos equipamentos. Conseguir profissionais era quase impossível, já que a televisão era um mundo novo, no qual os profissionais radiofônicos não estavam acostumados. Otaviano (Daniel de Oliveira) veio cumprir o papel do principal patrocinador que se encanta pela atriz estreante Beatriz (Bruna Marquezine), filho de um magnata, ele tem uma relação próxima com a irmã Julia (Letícia Colin) com quem divide inclusive a amante.

A construção dos personagens neste primeiro episódio mostra que eles já têm características marcantes, como a ousadia de Beatriz por exemplo. Nota-se que ela é uma personagem franca, que esbanja sorrisos, e espalha beleza, e por trás da força da jovem mulher que se rendeu à vida de dançarina de cabaré afim de alcançar o sonho de ser atriz, existe uma menina doce, que se preocupa com a mãe que ainda reside no interior do Rio de Janeiro, e trabalha como empregada doméstica. A outra personagem feminina em destaque Verônica, diferente de Beatriz, não seguiu em busca de seus sonhos, foi empurrada por Saulo. Sonhadora porém comedida, durante a passagem de tempo de 10 anos, se modificou, amadureceu e conhece seu potencial como estrela do rádio, e possível estrela de televisão. Sua única vulnerabilidade até então é encontrada na dificuldade da construção da família perfeita (marido, esposa, e filhos), que já era projetada na época como conceito de felicidade. Ainda sobre essa construção dos personagens, ao se descobrir estéril, me chamou atenção que a falta de um filho pesasse mais sobre Saulo, a parte masculina do casal, do que sobre Verônica, fazendo-o dar um fim ao relacionamento por não poder proporcionar à esposa uma vida “completa”.

O texto de Nada Será Como Antes é preciso, bonito, e muitas vezes poético. Em diversos diálogos houveram brincadeiras com palavras, e o ritmo ágil deu toda a diferença à trama que mesmo situada num passado não muito distante manteve o jeito atual de se contar histórias, até mesmo na edição que tinha tudo para ser monótona, mas foi inteligentemente ligeira. Débora Falabella e Murilo Benício estiveram muito bem juntos em cena, sobretudo na cena em que eles se encontram após terem se separado e cantam juntos “Só Louco” de Dorival Caymmi, mostrando toda a emoção de duas pessoas que já partilharam 10 anos de suas vidas e ainda se amam apesar das circunstâncias. Dessa vez, a direção artística de José Luiz Villamarin não veio carregada de mudanças estéticas, mas com movimentos de câmera constantes e câmera parada apenas em ângulos abertos e mais dramáticos. A cenografia que retratou tanto o ano de 1946 como o ano de 1956 priorizou objetos de cores cinza e marron, dando um aspecto de sobriedade à quase todas as cenas exibidas no primeiro episódio, reforçados pela iluminação dura até mesmo nas externas. Vale uma menção honrosa aos estúdios de televisão recriados com precisão para a série.

Nada Será Como Antes chegou sem a pretensão de se tornar um grande sucesso, mas tem elementos tão bem trabalhados, que pode fazer com que o público da televisão conheça um pouco mais sobre a história do veículo de comunicação mais querido do país.

OBS: Achei curioso que antes mesmo da inauguração do primeiro sinal de televisão, no quarto de Verônica e Saulo, já existisse um aparelho – o problema aqui foi o televisor estar localizado no quarto, e não na sala como era comum na época.

OBS 2: A forma como a série foi apresentada em chamadas foi sagaz, e a Globo parece estar cada dia mais antenada em como as séries ao redor do mundo são apresentadas ao público, fazendo assim o alinhamento com o mercado internacional.

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