Justiça chega ao fim com ousada e inovadora narrativa e faz história na televisão brasileira

Publicado em 25/09/2016

Chegou ao fim na última sexta-feira, 23 de setembro a série Justiça. Com o final das quatro histórias que se entrelaçaram, a série se despede deixando a sensação de dever cumprido e para o público a certeza de que a TV aberta tem sim conteúdo de qualidade a oferecer.

Justiça teve uma proposta ousada, se distanciando de tudo o que já havia sido feito na TV brasileira anteriormente e a ideia de colocar a cada dia da semana um protagonista diferente deu à audiência a possibilidade de escolha entre seus enredos favoritos ou personagens a quem poderiam mais se interessar.

A direção precisa de José Luiz Villamarim conferiu à trama ares de documentário e um nível de detalhamento interessante, já que algumas cenas eram filmadas por várias vezes para se garantir ângulos diferentes para serem usados em episódios diferentes ao longo da semana.  O diferencial de Justiça foi fugir da narrativa linear, e tratar cada personagem como dono de sua própria história fazendo com que tivessem peso semelhante dentro da trama.

Roteiro

O Roteiro da série foi extremamente preciso, sabendo fisgar o público numa espécie de catarse, onde sentimentos múltiplos se misturavam em relação aos enredos, ainda que alguns tivessem provocado a dúvida do público.

Elisa (Deborah Bloch) passou 7 anos fazendo aulas de tiro para conseguir acabar com a vida do assassino de sua filha, mas diferente disso, ela resolveu desistir do seu plano de vingança, se aproximou do rapaz, afinal ele era o único elo que ela ainda tinha com a lembrança da filha, mas o que teoricamente seria irônico e poético, fez os telespectadores bradarem nas redes sociais, sobretudo após o envolvimento amoroso entre Elisa e Vicente (Jesuíta Barbosa). Com uma ajuda do destino, Elisa não precisou sujar suas mãos, e viu de perto a morte do rapaz.

Dentre todas as histórias, destaco aqui a de Fátima (Adriana Esteves) – a personagem foi a única a ser presa injustamente por tráfico de drogas, viu sua vida devastada na impossibilidade de criar sua família e conseguiu se reconstruir a partir do próprio esforço, sem recorrer a vinganças, mantendo novamente seus filhos perto de si e melhor sem perder o foco de seu próprio enredo. Foi a personagem pelo qual o público mais torceu e que mais emocionou a todos na atuação impecável de Adriana Esteves.

Rose (Jéssica Ellen) foi detida por posse de drogas, viu a mãe falecer enquanto estava na cadeia e saiu sete anos depois, mais firme, com menos sonhos, entendendo melhor seu lugar num país que ainda sofre de preconceito velado e disposta a ajudar a amiga Débora (Luisa Arraes) a se vingar do homem que a estuprou.  Rose deixou de ser protagonista da sua própria história para dar lugar ao drama de Débora, num final tocante, já que a moça conseguiu se vingar, acidentalmente matou o estuprador e saiu sem rumo mundo afora deixando toda uma vida para trás. Para Rose, seu final foi criar a filha de uma ex-colega de detenção e grávida unida a Celso (Vladimir Brichta), o personagem de caráter duvidoso que vagou entre todos os núcleos de todas as histórias e que inclusive foi o responsável indireto pela prisão da namorada anos antes.

A história de Maurício (Cauã Reymond) nas chamadas da série, era a que mais prometia e a que menos cumpriu. Para o contador ficou o desejo de fazer vingança à Antenor (Antônio Calloni) o homem que atropelou e não prestou socorro à sua esposa. Aqui vimos apenas a construção do seu desejo de vingança e o crescimento de outros personagens como Vânia (Drica Moraes) e Kellen (Leandra Leal). Ao final, Maurício alcançou seu objetivo, expôs Antenor que foi detido sob acusação de ter assassinado Vânia.

Furos

Alguns furos no roteiro foram percebidos pelos telespectadores como por exemplo:
– O tempo de pena de um assassinato, mesmo com bom comportamento do detento não deveria ser o mesmo que tráfico de drogas.
– Os filhos de Fátima não serem encaminhados ao Conselho Tutelar imediatamente ao momento de sua detenção. Pelo contrário, as crianças foram criadas nas ruas sem qualquer intervenção do estado.
– De acordo com a cronologia dos fatos, Beatriz (Marjorie Estiano) foi atropelada, e segundo próprio Maurício, a ambulância demorou meia hora para chegar, ela foi internada, medicada, fez exames, teve o resultado dos exames avaliados, obteve o diagnóstico de tetraplegia e resolveu que não queria mais viver com a opinião de apenas 1 médico. Maurício foi procurar Celso na praia, por volta de 2 da manhã, no momento em que Rose estava sendo presa, para lhe pedir drogas para fazer valer o desejo de morte da esposa, ou seja, não houve tempo hábil para todos esses fatos ocorrerem em tão pouco tempo.

Temas

Justiça tentou tocar em temas espinhosos e por muitas vezes difíceis, como a corrupção policial, influência financeira e política, turismo sexual, eutanásia, estupro, racismo, entre outros. Com atuações memoráveis destaque para Adriana Esteves, Enrique Diaz, Leandra Leal, Drica Moraes e Luisa Arraes.

Nem tragédias de Nelson Rodrigues, nem finais felizes de contos de fadas, Justiça soube mesclar em sua ficção realista cada detalhe que fará dela lembrada com um dos grandes acertos da televisão brasileira em 2016.

Obs: Para quem quiser conferir como seriam todas as histórias juntas, a Globo Play disponibilizou um resumo das 5 semanas da série, onde a edição é feita sem a separação do enredo de cada personagem.

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