Capricho estético marcou a trama de Liberdade, Liberdade!

Publicado em 10/08/2016

A novela Liberdade Liberdade chegou ao fim na última quinta-feira (04), fechando a trama das 23 deste ano. A primeira novela de época inédita no horário (desconsidero aqui os remakes de O Astro, Saramandaia, e Gabriela) trouxe novamente para a tela da Globo elementos que o telespectador sempre apreciou nas antigas minisséries: a junção de fatos históricos com personagens fictícios.

Entre altos e baixos, a repercussão da novela ficou aquém do esperado, mesmo com bons índices de audiência. Infelizmente os curtos capítulos, e o momento político conturbado do país na primeira metade do ano fizeram a trama ser pouco repercutida pelo público em seu início.

Por falar em política, foi isso que Liberdade Liberdade apresentou a todos: Uma história densa, com pano de fundo político forte embora retratado apenas um recorte de como Vila Rica era considerada no final do século 19. A saga de Joaquina, filha de Tiradentes que é criada em Portugal e retorna à cidade de sua infância com o nome de Rosa, nos mostrou um entretenimento muito bem produzido em primeiro lugar.
Aprecio tramas de época e muitas delas fazem o telespectador saltar do sofá de sua casa direto para aquele tempo ou mesmo despertar a curiosidade sobre o passado (fato comprovado pelo aumento das vendas dos livros dos quais novelas e minisséries são baseados) e Liberdade Liberdade não foi uma dessas.

Se ao contar uma história contemporânea deve haver uma série de cuidados, contar uma história de época requer o dobro desses cuidados sobretudo quando lidamos com fatos reais históricos, e nesse ponto estão os altos e baixos já citados, da novela. O didatismo estava presente em excesso no texto, disfarçado sob o burocrático discurso político inconfidente. Toda a construção feita em cima de alguns personagens “do bem” tinha um tom artificial, disfarçando a falta de empatia e até de humor desses personagens numa carapuça de heroísmo, desejo de batalhas, e força emocional.

Faltaram tempero a alguns personagens e atores, enquanto outros enriqueceram o material que lhes foi dado, como é o caso de Marco Ricca, e seu Mão de Luva. O ator conseguiu não só trazer para a tela a essência do personagem como criou para o mesmo características marcantes, como o sotaque, e a prosódia do interior mineiro de forma magistral. Os diretores aproveitaram o ator e o personagem para criar um spin-off (série derivada de outra) chamado A Lenda do Mão de Luva, que se encontra disponível no site da Rede Globo. Outra atriz num bom momento e que rendeu muito na personagem, foi a sempre competente Lilia Cabral e sua Vírginia.

A densidade do enredo jogou as cenas divertidas da novela no colo da personagem Branca, de Nathalia Dill, que dividiu o público sendo uma vilã amada, e ganhando entre os telespectadores o apelido de patricinha de época.

A novela conseguiu explorar bastante o horário elevado a seu favor abusando de cenas de violência, e sexo. Pudemos ver membros decepados, mortes, e pugilato. O grande buzz da novela aconteceu devido à cena de sexo entre dois homens, os personagens André, de Caio Blat e Tolentino, de Ricardo Pereira. A inserção de uma trama homossexual na novela vem num momento importante, o de reforçar a naturalidade das relações, e até mesmo ensinar ao grande público que a homossexualidade não é algo novo, ela sempre esteve presente em todas as épocas. A cena, extremamente comentava e divulgada nas redes sociais não teve o glamour, nem o romantismo das cenas semelhantes que costumamos ver em outras novelas protagonizadas por casais heterossexuais, pelo contrário, a cena teve o realismo, a pressa de dois amantes, o medo, o fervor, o tesão e a culpa representado pelos dois atores em pouco mais de 1 minuto.

Liberdade Liberdade teve grandes êxitos estéticos, que não costumamos ver nas novelas. A cenografia, figurinos, maquiagem e caracterização dos personagens deram vida a uma Vila Rica meio ao caos de uma guerra, escassez de alimentos, roupas, e carência de melhores condições até de saneamento., extremamente condizente com aquele momento. Algumas cenas chegavam a incomodar, devido a sujeira e suor no rosto dos atores. Um trabalho primoroso que merece ser repetido.

No fim, um tanto quanto clichê com a cena de Joaquina e Xavier indo embora do Brasil, a reflexão que fica é que a novela não veio apenas contar uma história sobre a liberdade do povo de Vila Rica perante a coroa, e sim sobre a liberdade de várias esferas da sociedade que ainda em 2016 encontram-se “presas” como mulheres, negros, pobres e homossexuais.

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