Velho Chico – primeiras impressões

Publicado em 15/03/2016

A tão aguardada nova novela das 21 horas da Rede Globo finalmente chegou. Velho Chico estreou nesta segunda (14) como um sopro de esperança aos diretores da emissora, com a promessa de trazer de volta não só a audiência perdida nos trevosos tempos de Babilônia mas também o escapismo, a fuga da realidade que parte dos telespectadores encontrou na novela bíblica Os Dez Mandamentos, da Record, em 2015.

Ficou claro que a Globo está tratando seu novo principal produto como um diamante já lapidado, e que a preocupação é reconstruir o produto, como um concerto a quatro mãos. Explico. Foi notável que o primeiro capítulo não se deu somente pelas mãos de Benedito Ruy Barbosa (que vale destacar é o criador do enredo, aquele que concebeu a ideia), ou pelo roteiro montado por Edmara Barbosa, e Bruno Luperi, aqui existiu uma assinatura visual e narrativa pela direção artística de Luiz Fernando Carvalho.

O diretor que já foi considerado responsável por derrubar audiências, nos presenteou com um aspecto cinematográfico único, onde tudo estava encaixado numa plástica que só encontramos em obras televisivas cujo próprio dirige. Com talento e sensibilidade impares, buscou referências na literatura, no cinema, na pintura (como a própria abertura, outra obra de arte escancarada), e principalmente no imaginário popular acerca do Nordeste e de figuras emblemáticas como coronéis, capitães, e padres, para compor cenas deslumbrantes.

A sensação de estar diante de uma obra de cinema, não se deu apenas pela fotografia privilegiada, mas por todas as escolhas técnicas que envolvem como contar a história. A teledramaturgia brasileira há vários anos vinha perdendo sua principal característica, a de contar histórias usando imagens como atrativo principal. Proponho aqui um exercício: Se sentar diante da TV, e assistir a alguma outra novela de olhos fechados. A quantidade de diálogos é tão grande, que conseguiríamos entender tudo sem dificuldade tal qual uma radionovela, ou estando a parte visual em segundo plano. Em Velho Chico isso não acontece, é preciso estar atento às imagens, às atuações, às cores; aqui parece que a dispersão não é bem-vinda.

Carol Castro vive Iolanda na novela velho Chico

As atuações, foram um espetáculo à parte. Tarcísio Meira como há muito não víamos, mostrou que realmente não é apenas um dos atores mais antigos da nossa televisão, mas transmitiu toda a verdade e dramaticidade de um Coronel Jacinto construído por ele, e que consegue num curto espaço de tempo causar medo, nojo e compaixão, assim como Encarnação interpretada por Selma Egrei, com seus olhares encenados, e interpretação repleta de camadas de uma mulher que se endureceu pela vida que leva, e pela morte do filho querido. Vale uma observação: Uma cena linda e desconcertante, a cena da canoa virada no rio, com o off da criança cantando. Nunca tinha visto na TV um flashback como esse, nada óbvio e altamente emocional.

Mesmo com cenas mais contemplativas, e um número reduzido de diálogos comparado à outras tramas, o enredo principal já mostra a que veio. O embate entre o Capitão Rosa de Rodrigo Lombardi e Afrânio de Rodrigo Santoro, herdeiro das terras do Coronel Jacinto está a ponto de acontecer, devido à discordância de como os produtores de algodão devam comercializar e receber pelo seu produto. A costura bem-feita consegue unir duas tramas até então distintas, como a relação de Afrânio com a cantora Iolanda (Carol Castro) que tende a ser o calcanhar de Aquiles do rapaz ao abandonar o amor da moça em prol de cumprir com obrigações familiares.

A trilha sonora conseguiu seguir com sutileza cada cena, levando-as ao máximo de emoção possível. Algo que eu havia notado é que há um tempo, as novelas tinham o poder de fazer determinada música se tornar um sucesso, e há alguns anos esse padrão se modificou. A produção musical das novelas, passou a enche-las com músicas que já eram sucesso entre as mais tocadas. Velho Chico mais uma vez se desfez disso, trazendo músicas ícones, músicas do cancioneiro popular em nova roupagem, invertendo a ordem de usar os charts a favor.

Algumas sutilezas foram também usadas tanto nas atuações, sons, e ângulos, deixando implícitas situações onde explicações demais só estragariam, ou deixariam mais pesado o capítulo, como a relação de abuso de poder entre Jacinto e Doninha, ou mesmo o ambiente de festas e drogas em que se situaram Iolanda e Afrânio. O primeiro capítulo foi lindo, e os demais precisam se manter assim. A edição da novela é ágil, os takes são rápidos apesar das cenas longas e muitas vezes silenciosas, e em nenhum momento pude perceber lentidão na narrativa, pelo contrário. O único problema de Velho Chico, pode ser o seu próprio público que talvez não esteja apto a consumir algo de tamanho requinte, mas devemos acreditar que se dermos ao público o melhor, eles vão sempre prezar pelo melhor.

Chico Diaz Velho Chico

Obs: Os diretores conseguiram extrair o melhor de Carol Castro. A expressão, os olhares, os gestos, até a fala. Palmas para Chico Diaz, por carregar em pouco mais de 2 minutos de cena, uma emoção tamanha, interpretando um homem que mesmo dilacerado por dentro precisava não esmorecer diante das mazelas.

© 2024 Observatório da TV | Powered by Grupo Observatório
Site parceiro UOL
Publicidade