Terceiro episódio de Justiça é uma enorme crítica social

Publicado em 25/08/2016

“Eu só fui entender que eu era preta e pobre na cadeia” – Rose Silva dos Santos

Justiça chegou nas noites da Globo com um ar de frescor trazendo um formato diferente e histórias com força o suficiente para segurarem seus 20 episódios. E se até então a série se mantinha no âmbito emocional dos relacionamentos e enredos, o episódio dessa quinta-feira (25) resolveu ir além e colocar o dedo na ferida; Uma ferida social aberta que o país ainda tem e jogou na roda de uma só vez dois assuntos a serem discutidos: racismo, e estupro.

Recife, Junho de 2009. Rose (Jéssica Ellen) é uma moça negra, filha de uma empregada doméstica que foi criada junto com Débora (Luisa Arraes), filha da patroa de sua mãe. Ambas gozaram de educação semelhante, compartilham segredos e agem como se fossem irmãs, uma apoiando à outra. A vida de Rose está prestes a mudar, pois ela descobre que passou no vestibular. O primeiro conflito que acontece durante o episódio se dá quando Rose é barrada na entrada de um restaurante em que a hostess alega estar cheio. Na ocasião, Débora age em defesa da amiga chamando o gerente e fazendo questão de ressaltar tudo o que a amiga é e se tornará um dia.  

Ainda que se fale menos do que se deveria à respeito, devemos nos lembrar que o Brasil ainda é um país racista, mas que o faz de forma velada. Sofremos do mal do pré-julgamento e em tempos de racismo online, como vimos acontecer com celebridades como Maria Julia Coutinho e Taís Araújo, este é um tema pertinente e importante para 2016. Existe um abismo na forma como um negro e um branco são enxergados em determinados ambientes e o roteiro da competente Manuela Dias quis explorar isso, assim como o abismo existente entre Rose e Débora. Todo mundo já ouviu alguém dizer “Fulano é praticamente da família”, essa é como Rose, que ao comemorar seu aniversário de 18 anos num luau na praia, e comprar drogas para todos os amigos é detida por Douglas (Enrique Diaz) como traficante. Notem que a ação da polícia em cena é bem clara ao separar negros e revistar apenas estes, como se sua cor já denunciasse seu caráter. Eis aqui, o primeiro dedo na ferida, que a gente finge não enxergar. O texto foi explícito sobre as diferenças raciais até nas falas de Zelita (Teca Pereira), ao se fazer valer do passado histórico de sua avó como escrava.

Débora que até então defendia a amiga com unhas e dentes, fez da sua Justiça o silêncio, numa mistura de apatia e autoproteção. O verdadeiro traficante, Celso (Vladimir Brichta), que inclusive era namorado de Rose também se manteve imóvel. E este silêncio custou à  garota, mais que sua liberdade, mas a não concretização de seu grande sonho: se tornar jornalista. As circunstâncias foram das mais infelizes, inclusive pela batida policial ter acontecido depois da meia noite, com a personagem já tendo completado 18 anos (maioridade penal).

Sete anos se passaram e o que restou de Rose foram cacos despedaçados do sonho não realizado. Agora, além de negra, ela é uma ex-presidiária, o que por si só já serve para arrastar consigo diversos preconceitos e estereótipos, e isso ficou claramente apontado por Igor (Marcelo Angelkorte). Suas chances não são mais as mesmas, nem sua vida. E ela procura Débora, e numa conversa franca, ela diz o que em minha opinião foi a síntese do episódio: “Eu só fui entender que eu era preta e pobre na cadeia”. Até então, ela nunca havia sido apontada, humilhada, ou colocada numa situação de interioridade perante os outros. Mas a vida também se mostrou cruel a Débora, que foi vítima de um estupro. Há quem enxergue nisso um pouco de justiça pelo silêncio de outrora, mas não creio que aqui existiu algo de punição a Débora. São situações horríveis e distantes e aqui eis a segunda ferida para se apontar. Uma cena de violência contra a mulher por si só é difícil, sofrida, complicada de se assistir. Os movimentos de câmera, o sangue, o pavor nos olhos de Luisa Arraes fora suficientes para mostrar todo o horror da situação. Rose não se sentiu prejudicada por Débora anos atrás, e prometeu ajudá-la a encontrar o homem que a violentou. Resta saber se os sete anos endureceram a garota a ponto de que ela se torne realmente uma criminosa.

Observações: Se ambos os personagens presos foram detidos no dia 28 de junho de 2009, logo, Douglas chegou em casa com Falcão (o cachorro), que fora assassinado por Fátima naquela madrugada.

Muitas pessoas reclamaram das cenas de sexo no primeiro episódio. Este episódio também teve uma cena de sexo, onde não vi apelação, nem mesmo uma cena sem propósito. Foi uma cena que serviu para mostrar tanto a ligação entre Rose e Celso, como a cumplicidade existente entre Rose, e Débora, que lhe emprestou o quarto.

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